Retrato de Juliano Assunção

Juliano Assunção

Doutor em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mestre em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e bacharel em Economia pela mesma instituição. É professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e diretor executivo da Iniciativa de Políticas Climáticas no Brasil (CPI, do inglês: Climate Policy Initiative). Em 2024, assumiu o cargo de coordenador técnico do Grupo de Especialistas da Força- Tarefa do G20 para a Mobilização Global contra as Mudanças Climáticas (TF‑CLIMA).

Entrevista

P./ O desenvolvimento sustentável envolve objetivos oficiais de crescimento e proteção da natureza. E esses objetivos têm vários pontos de tensão, mas também algumas sinergias promissoras. Em sua opinião, quais foram os principais fatores ou falhas do mercado e do Estado que prejudicaram as metas de desenvolvimento econômico e proteção ambiental no passado e onde você vê as maiores oportunidades de gerar essas sinergias entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental?

Sim, no desenvolvimento econômico e no meio ambiente, a sustentabilidade é uma questão tão importante quanto complexa. Isso remonta ao período da Revolução Industrial, quando realmente criamos maneiras de mudar o padrão de vida na sociedade moderna. Mas essas formas eram muito baseadas no uso de combustíveis fósseis e seu uso, e apesar de impulsionar toda uma economia que se desenvolveu em diferentes países do mundo, gerou colateralmente um padrão de emissões de gases de efeito estufa, gases que acabaram se acumulando na atmosfera e promovendo o aquecimento global, do qual não tínhamos consciência na época. Na verdade, essa era a nossa consciência dos problemas e das questões associadas ao desenvolvimento como sociedade.

De certa forma, houve um momento inicial em que não se tratava nem mesmo de uma falha de mercado, mas simplesmente de uma ignorância desse efeito colateral do desenvolvimento. Hoje, quando analisamos a questão, de fato há uma falha de mercado, no sentido de que reconhecemos que todas as decisões relacionadas ao consumo de combustíveis fósseis não internalizam o custo social dessas medidas. E estamos em um processo em que há uma consequência muito dramática dessas emissões em termos de clima. A temperatura mudou significativamente e os cientistas indicam que ela mudará ainda mais nos próximos anos se esse padrão de emissões continuar.

Portanto, acredito que o grande desafio para a humanidade é como conciliar esse processo de desenvolvimento econômico, que é necessário para melhorar os padrões de vida da sociedade moderna, e, ao mesmo tempo, criar as condições para que esse processo coexista harmoniosamente com o meio ambiente, para que seja compatível com a proteção, especialmente dos ecossistemas. Mas, por outro lado, há também possibilidades de sinergia que estão implícitas no fato de que estamos longe de atingir nosso potencial produtivo. Nas últimas décadas, exploramos vários recursos naturais de forma bastante ineficiente. Isso nos oferece uma oportunidade de fazer mais com o que temos, de produzir mais com o uso dos recursos naturais.

Para mim, a grande interface entre a agenda de desenvolvimento econômico, a desigualdade social e a proteção ambiental é justamente hoje encontrar maneiras de fazer melhor uso dos recursos naturais, entendendo que precisamos levar em conta os custos de nossas escolhas como sociedade.

P./ Agora, nas negociações climáticas, essa noção de justiça é de importância central nos acordos climáticos globais. E quatro aspectos frequentes nessas discussões são as responsabilidades históricas nas emissões , os impactos desiguais das mudanças climáticas, a disparidade de desenvolvimento entre os países e a insuficiência dos compromissos de redução de emissões na NDC. A esse respeito, qual é a sua opinião sobre esses componentes e quais mecanismos poderiam incentivar os países a assumir acordos mais ambiciosos e equitativos na luta contra as mudanças climáticas?

Acho que a justiça climática é uma perspectiva relativamente recente na discussão, tanto na agenda climática quanto na discussão sobre desenvolvimento. Minha percepção tem a ver com o fato de que, quando analisamos a renda ou a riqueza de diferentes sociedades, há um processo implícito de emissões. Há um padrão muito claro entre as emissões de gases de efeito estufa e a renda per capita, isso é muito claro.

De certa forma, a justiça climática tem a ver com o fato de que esses países, que têm uma posição mais confortável, são os que causaram mais danos à agenda climática e continuam a fazê-lo; são países com uma renda per capita mais alta do que outros. Isso nos coloca em uma posição mais viável, na qual a ação de mitigação, a ação de redução, deve ocorrer de forma mais significativa exatamente naqueles lugares que têm mais recursos financeiros para isso.

Dessa forma, a agenda de justiça social, para mim, tem um componente muito relevante, que é o fato de que os países mais ricos do mundo têm muito a contribuir, têm condições de fazê-lo e, portanto, deveriam contribuir mais para essa agenda climática. E há outro elemento de justiça climática, que é o fato de os países mais expostos às mudanças, às enchentes,

Portanto, acho que a questão da justiça é muito clara nessa situação, justamente por causa dessa contradição. Por um lado, os países ricos são os que mais emitem, os que mais contribuem para o problema e, por outro lado, os países mais expostos são os que são, de fato, vulneráveis. Portanto, uma questão de justiça deve ser parte integrante da discussão sobre o clima.

P./ Sobre mitigação de energia, mudança climática e proteção de ecossistemas, eles têm áreas em comum, mas também podem entrar em conflito. Em sua opinião, qual deve ser o papel dos biocombustíveis e da energia hidrelétrica no futuro do país, considerando o equilíbrio entre a mitigação e a proteção do ecossistema?

Sim, a questão da mitigação da mudança climática, das emissões de gases de efeito estufa e da proteção do ecossistema é configurada de forma diferente em diferentes partes do mundo. Normalmente, no mundo de alta renda, os países do norte tendem a ser países que já estão no limite de suas possibilidades produtivas. Assim, por exemplo, quando os EUA aumentaram o teor de etanol na mistura de gasolina, o preço do trigo subiu porque, quando em um país onde os recursos são usados de forma mais eficiente, é necessário alocar alguns bens para uma determinada atividade, haverá falta de bens para outras atividades. Portanto, temos essa tensão mais explícita nesses países de renda mais alta. Entretanto, nos países de renda mais baixa e, em particular, nos países latino-americanos, especialmente no Brasil, por razões históricas, há países que exploraram seu território com o objetivo principal de ocupá-lo.

Assim, no Brasil, desde a chegada dos portugueses, observamos um processo de ocupação do território que não buscava a produção econômica mais eficiente para cada área, mas sim ocupar o território. E isso se deu de diferentes formas em diferentes governos, com um boom mais recente sob o comando militar, que realmente resolveu ocupar a Amazônia de uma forma bastante artificial, com muita política pública, que acabou causando grandes prejuízos à sociedade. Então, nesses países, essa tensão é menor, porque há áreas que estão muito abaixo do seu potencial produtivo. Então, a discussão sobre biocombustíveis no Brasil não pressiona o desmatamento. Temos até alguns estudos que mostram o contrário, porque em algumas áreas desenvolvidas com atividades mais intensivas, que empregam mais pessoas por hectare, que usam mais capital e mais investimento por hectare, há de fato menos pressão sobre o desmatamento. Portanto, acho que o interessante sobre essa possível tensão entre a mitigação do clima e a proteção do ecossistema é que ela tem uma direção muito clara. Nos países tropicais, essa tensão é muito menos presente do que nos países do norte com renda mais alta.

P./ A proteção dos ecossistemas e da biodiversidade está entre os maiores desafios da agenda da sustentabilidade. Isso se deve, em parte, à dificuldade de identificar e medir os benefícios que obtemos deles. Em sua opinião, quais seriam os instrumentos mais promissores para a proteção e restauração de nossos ecossistemas e biodiversidade, e quais são as restrições impostas pela falta de capacidade institucional e de implementação na região?

A proteção dos ecossistemas, principalmente em países tropicais, que também tendem a ter um Estado menor, historicamente, é um desafio que tem muitas dimensões, mas acho que é um desafio que exige uma ação governamental muito forte. Não há nenhum tipo de mercado bem estruturado, nem mesmo entendemos os serviços ambientais com muita precisão, portanto, uma lógica de mercado em que há decisões descentralizadas sobre o que fazer e onde fazer não funciona no caso da proteção de ecossistemas, porque não há uma estrutura organizada que se beneficie dos serviços de ecossistemas. Mas sabemos que eles são muito importantes e cruciais para nós, seja para nós brasileiros, para nós da América Latina ou para a humanidade como um todo, porque eles desempenham um papel em vários sistemas globais que são extremamente importantes para a vida humana.

No entanto, o governo é o único ator que tem condições de fazer isso, porque realmente precisa incorporar em suas decisões a importância desses ecossistemas e usar instrumentos que sejam eficazes para esse fim. No Brasil, tivemos um avanço no início dos anos 2000, quando começamos a usar tecnologia, informações estratégicas para monitorar o desmatamento quase em tempo real e, a partir daí, tomar medidas governamentais para combater o desmatamento. Foi um processo muito bem-sucedido em que, mesmo em um ambiente em que o Estado tem capacidade limitada de ação, a tecnologia foi usada para aumentar muito a eficácia da política pública. Temos alguns estudos no CPI em que tentamos quantificar isso e podemos mostrar muito claramente que a ação do governo foi absolutamente fundamental para a proteção dos ecossistemas. Portanto, acredito e espero que, daqui a algumas décadas, tenhamos uma melhor compreensão do papel da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos em diferentes áreas e possamos desenvolver outras abordagens. Mas acho que o que temos hoje para lidar com esses problemas é basicamente a ação governamental por meio de áreas de conservação, monitoramento por satélite, uma série de elementos de política pública que estão relativamente bem consolidados, e acho que o Brasil tem muito a mostrar nessa área.

P./ Como você vê a precificação do carbono como um instrumento de mitigação global e quais arranjos institucionais você considera mais promissores para o futuro, sejam impostos, permissões de emissão negociáveis ou acordos de mercado voluntários?

A relação entre o preço do carbono e o clima, e a agenda climática, está presente desde que os economistas se envolveram nessa discussão. Porque, de certa forma, a agenda climática trata do que nós, economistas, chamamos de externalidade. Ou seja, trata-se de uma situação em que, quando consumimos combustíveis fósseis, não internalizamos os danos que eles causam à atmosfera e aos gases de efeito estufa.

 Não há nada mais natural do que pensar em uma maneira de incorporar o custo social das decisões no processo decisório das empresas e das famílias, e a precificação do carbono seria uma maneira natural de fazer isso. De fato, as aplicações de precificação de carbono foram estabelecidas em vários lugares. A Europa desenvolveu o que eles chamam de mercado ETS, que é o mercado de carbono, voltado principalmente para o setor industrial. Temos o mercado de carbono na Califórnia, temos países que adotam impostos sobre o carbono. E todas essas iniciativas estão muito bem mapeadas em uma plataforma do Banco Mundial que monitora a evolução do preço do carbono que está embutido em cada uma dessas aplicações. Quando analisamos os resultados dessa plataforma, há uma característica muito clara, que é o fato de haver uma enorme dispersão nos preços do carbono nessas diferentes aplicações. Isso ilustra uma enorme ineficiência.

Portanto, se por um lado estamos caminhando em direção a uma solução quase gratuita para o problema climático, por outro lado, estamos fazendo isso de uma forma muito ineficiente. Porque se há uma coisa que sabemos em economia é que o preço do carbono deve ser o mesmo em todo o mundo, porque uma emissão de partículas na China é equivalente a uma emissão de partículas no Brasil, portanto não há razão para que esses preços sejam diferentes. Quando estivermos realmente comprometidos com a agenda climática, lidando com ela de forma eficiente, precisaremos ter esses mercados integrados. Portanto, não creio que possamos fazer do carbono uma peça fundamental da agenda de mitigação enquanto esses mercados permanecerem segmentados. Também acho que o mercado voluntário pode nos ajudar a ganhar algum volume, alguma tração, mas ele tem certos limites, por isso precisamos de um mercado com a participação do governo, que seja regulamentado e que haja essa integração entre os diferentes países.

P./ E sobre essa questão da disparidade entre os preços do carbono, você já se referiu à desigualdade entre os países ricos e os mais pobres nessa luta. Você poderia falar um pouco mais sobre isso?

Sim, a desigualdade do preço do carbono que vemos entre esses diferentes países ilustra uma grande ineficiência. Há uma contrapartida a essa ineficiência que tem a ver com o fato de que há muitas oportunidades de mitigar o carbono em algumas partes do mundo. Em particular, nos países tropicais, que são países de renda mais baixa , há dois elementos importantes: há muito sol, em geral os recursos renováveis nesse cinturão tropical são bastante abundantes e, em segundo lugar, há uma enorme possibilidade de restauração florestal, mas isso não nos salvará da crise climática. Portanto, hoje, os países mais ricos precisam mitigar seus gases de efeito estufa e podem aproveitar uma oportunidade que existe nos países tropicais. Essa oportunidade tem dois elementos que são fundamentais. Por um lado, ela está associada à abundância de recursos de energia renovável, porque esses países tendem a ser muito ensolarados e também têm muitos recursos eólicos. E, em segundo lugar, há um enorme potencial de restauração florestal nessa área tropical.

Mesmo que a agenda de restauração florestal não nos salve do problema climático, porque ela também tem seus limites, ela pode nos fazer ganhar um tempo valioso. E, ao mesmo tempo, seria uma oportunidade para a agenda climática contribuir para a proteção dos ecossistemas nesse cinturão tropical, trazendo recursos em grande escala que serão importantes tanto do ponto de vista ambiental quanto social para esses países. Acho que esse elemento de ganhos de eficiência está muito alinhado com a questão da redução das desigualdades entre os países, justamente porque há uma necessidade muito grande de mitigação nos países de baixa renda, e muito terreno poderia ser conquistado nesse sentido.

P./ E, por fim, que estrutura institucional os instrumentos, impostos, licenças negociáveis e tudo o mais que você mencionou exigem, e como você avalia a capacidade dos estados da região de implementá-los?

É um grande desafio, talvez o mais central, porque o que os cientistas estão dizendo é que precisamos implementar uma redução absoluta no nível de emissões no planeta o mais rápido possível. Caso contrário, não conseguiremos atingir a meta de manter a mudança climática em uma faixa relativamente segura, que não será mais tão confortável, ou seja, abaixo de 2 ou 1,5 graus, que são os parâmetros que orientam essas medidas climáticas. A questão é como chegaremos lá.

O que temos hoje é um processo diplomático intimamente associado às conferências climáticas anuais, às COPs e a outros círculos que estão se formando em torno disso, que têm um processo, um cronograma, uma velocidade de ação incompatível com o desafio que enfrentamos, além de um conjunto de políticas públicas que contribuem para agravar ainda mais o problema. E talvez o exemplo mais óbvio dessas políticas seja o subsídio aos combustíveis fósseis, que ainda existe em vários países. O FMI estima que o que gastamos hoje com subsídios diretos aos combustíveis fósseis é da ordem de US$ 4 trilhões por ano.

Esse é um elemento de política pública que nem requer tanta institucionalização, mas o entendimento dos diferentes países de que é importante agir de forma concreta em relação ao clima, que poderia ser adotado imediatamente, com efeitos muito relevantes sobre o padrão de emissões. E a justificativa que muitas vezes é dada é que se você remover esses subsídios, haverá um impacto na inflação e poderá haver um impacto na pobreza. Mas, na realidade, temos de abordar o problema talvez de uma perspectiva econômica mais ampla, tentando entender que tipo de instrumento de política pública é mais adequado para cada problema. O instrumento de política pública que, historicamente, é mais adequado para lidar com a inflação é a taxa de juros, e não um subsídio direto a bens ou serviços.

O que temos para lidar com a pobreza são programas como o do Brasil, o caso do Bolsa Família. Esses programas são transferências diretas de renda e temos experiências em todo o mundo que conseguem aliviar a questão da pobreza. Portanto, não há justificativas econômicas razoáveis para alocar orçamentos públicos para subsidiar o consumo de combustíveis fósseis que tanto contribuem para a agenda climática.

Por um lado, acho que temos esse desafio institucional de coordenar a ação dos países, que são relativamente poucos. O G20 representa 80% do problema, em termos gerais, portanto, é um conjunto relativamente pequeno de países que pode fazer muito. Há esse desafio de coordenação, que parece viável, mas, além disso, há questões muito mais simples que poderiam ser abordadas imediatamente, como o exemplo mais óbvio: a redução dos subsídios aos combustíveis fósseis. Portanto, acho que há esses dois elementos. Por um lado, há alguns desafios institucionais que serão necessários para reduzir as emissões em níveis absolutos, mas, por outro lado, há oportunidades que podemos aproveitar imediatamente e, com elas, causar um impacto significativo na agenda climática.