Perspectivas de crescimento econômico sustentável: oportunidades em meio a desafios persistentes

A Quarta Revolução Industrial trouxe uma nova oportunidade para enfrentar os desafios da ALC e construir uma região mais inclusiva e justa. Em particular, a adoção de tecnologias da Indústria 4.0 (inteligência artificial, internet das coisas etc.) e o desenvolvimento de talentos digitais podem gerar impactos positivos na produtividade, promover maior integração regional, criar empregos de qualidade e reduzir desigualdades sociais e de gênero. Embora a automação possa reduzir a vantagem comparativa da região no acesso à mão de obra barata, há um trade- off potencialmente positivo, na medida em que as novas tecnologias digitais criam espaço para novas ocupações e reduzem os custos de coordenação, monitoramento e comércio. Mais especificamente, a digitalização das economias promove a descentralização da produção, a consolidação de cadeias de valor e a diversificação dos serviços comercializados dentro e fora da região. A visão tradicional e predominante sobre o desenvolvimento da região considerava que o caminho legítimo para o crescimento econômico passava por uma transformação estrutural, com a transição da agricultura para a indústria manufatureira. Sob essa ótica, o desenvolvimento da ALC deveria ser concebido como um processo sequencial e gradual de investimentos em capacitação e tecnologia, permitindo que nossas economias percorressem as mesmas etapas trilhadas anteriormente pelas nações desenvolvidas (Lin, 2011; Kuznets, 1966). Contudo, o cenário atual oferece a possibilidade de saltar etapas — o chamado leap-frogging, na terminologia em inglês — como uma via viável de crescimento para países de renda baixa e média.

A experiência de outras regiões do mundo demonstra que isso é possível. Um dos melhores exemplos é o investimento em telefonia móvel como substituto das linhas fixas. Países como Índia, Gana e Nigéria praticamente ignoraram a adoção da telefonia fixa, evitando assim construir uma infraestrutura extensa de redes. Outros, como a China, desaceleraram a expansão das linhas fixas e concentraram-se em expandir sua rede de telecomunicações móveis. O crescimento explosivo da tecnologia móvel permitiu impulsionar outros setores, como o comércio eletrônico e os serviços financeiros digitais. Em países como Quênia, Gana e Nigéria, o acesso massivo à telefonia móvel estimulou a inovação no setor financeiro por meio da oferta de serviços de dinheiro móvel e pagamentos digitais (M-Pesa, MoMo ou eTranzact). A adoção desses serviços desencadeou um novo salto de etapas, pois essa tecnologia permitiu a inclusão financeira de famílias antes excluídas, sem a necessidade de abrir uma conta bancária tradicional. A China fornece outro exemplo de salto de etapas em seu sistema de pagamentos, praticamente ignorando o uso de cartões bancários e migrando diretamente do dinheiro em espécie para as carteiras digitais (Alipay e WeChat Pay)2. Outro exemplo de leap-frogging vem da própria região. No Brasil, várias áreas rurais passaram diretamente de tecnologias mais antigas, como Ethernet, para conexões via satélite, sem a necessidade de implantar uma infraestrutura dispendiosa de fibra óptica. Esse salto tecnológico tem sido fundamental para reduzir a exclusão digital em um país com vastas áreas geográficas de difícil acesso3.

No caso dos países de baixa renda, o leap-frogging oferece a oportunidade de utilizar novas tecnologias para enfrentar as lacunas de desenvolvimento existentes e impulsionar o crescimento econômico. A adoção tecnológica também pode facilitar a inclusão de populações com acesso limitado à infraestrutura e a serviços básicos. Para os países de renda média, o salto de etapas representa uma possível saída da armadilha da renda média — situação em que o desenvolvimento econômico se estagna — ao permitir que essas nações avancem rapidamente para uma economia baseada no conhecimento, construída sobre serviços digitais e produção de alto valor agregado.

A América Latina precisa avançar muito para melhorar a inclusão financeira. O que pode ser feito? (…) políticas de digitalização, maior oferta de microfinanciamento responsável e uma avaliação de risco mais sofisticada permitiriam que os bancos ampliassem a base de clientes a quem emprestar.

Baseado em entrevista com Carmen Reinhart

A ALC deve realizar os investimentos necessários para fortalecer as tecnologias da Quarta Revolução Industrial. Isso permitiria à região fazer a transição da indústria tradicional para uma indústria moderna, acelerando o nível de desenvolvimento, a geração de riqueza e a transformação digital no período pós-pandemia. Em particular, um estudo recente sobre a África propõe ações fundamentais para viabilizar o salto de etapas (Blimpo et al., 2017). Primeiro, é fundamental contar com o ecossistema regulatório adequado (ver Quadro 5.1). Segundo, a inovação implementada deve ter o potencial de ser escalada. Terceiro, o setor público deve priorizar a aquisição de competências e, quarto, é necessário fomentar o investimento em P&D para adaptar a tecnologia ao contexto local.

Construir uma visão de futuro que permita à ALC evitar etapas intermediárias em seu desenvolvimento requer identificar com urgência os setores-chave nos quais o uso da tecnologia possa acelerar a transição de uma indústria tradicional para uma moderna. Além de agilizar a criação de riqueza, isso também elevaria os níveis de desenvolvimento na região. Um componente essencial dessa estratégia envolve maximizar as vantagens naturais da região: a produção de matérias- primas e a relativa abundância de mão de obra pouco qualificada. A tecnologia, nesse contexto, surge como um catalisador capaz de transformar esses recursos em fontes de riqueza sustentada.

Duas ações são indispensáveis. A primeira é impulsionar um setor agrícola moderno que capitalize as vantagens comparativas derivadas do capital natural da região. O uso de tecnologias avançadas na agricultura permitirá melhorar a produtividade e a sustentabilidade, maximizando o potencial existente na região.

A segunda é a formulação de uma nova política industrial diante do desafio da digitalização e de seu impacto nos mercados de trabalho, que integre o setor de serviços não transacionáveis. Esse setor, caracterizado pela informalidade e baixa produtividade, será fundamental para absorver a mão de obra pouco qualificada que poderá ser deslocada pela automação e digitalização de alguns processos.

Essas trajetórias de crescimento são complementares à industrialização e à especialização de alguns países na exportação de serviços transacionáveis, como os financeiros ou de informação. Assim, é essencial que o setor manufatureiro da região considere a biodiversidade e os ecossistemas não apenas como ativos naturais, mas também como fontes de riqueza, especialmente no contexto da transição energética. Por outro lado, a ALC deve encontrar formas de se integrar melhor às cadeias globais de valor (CGV), seja por meio de melhorias que resultem na simplificação de trâmites e processos, seja mediante investimentos em setores estratégicos com maior potencial de inserção. Entre esses, destacam- se como alternativas os serviços transacionáveis modernos ou os insumos associados à transição energética.

Uma estratégia abrangente como a proposta pode posicionar a região como um ator-chave na economia global, aproveitando ao máximo seus recursos naturais e humanos.

Quadro 5.1 Sistemas de pagamento móvel e banca digital na ALC

Las barreras para la adopción de sistemas de pago móvil y banca digital en ALyC están fuertemente influenciadas por un ecosistema regulatorio que, en muchos casos, no se ha adaptado lo suficientemente rápido a la vertiginosa evolución tecnológica. La fragmentación de las normativas a nivel regional y nacional pueden dificultar la implementación de soluciones de pago innovadoras, generando incertidumbre entre los proveedores de servicios financieros y los consumidores. Además, las regulaciones estrictas en materia de identificación y verificación de clientes, aunque necesarias para prevenir el lavado de dinero y el fraude, pueden actuar como obstáculos para la inclusión financiera, ya que muchos usuarios potenciales no cuentan con la documentación requerida para acceder a estos servicios.

As barreiras à adoção de sistemas de pagamento móvel e banca digital na ALC estão fortemente influenciadas por um ecossistema regulatório que, em muitos casos, não acompanhou com a devida agilidade a acelerada evolução tecnológica. A fragmentação das normativas em nível regional e nacional pode dificultar a implementação de soluções de pagamento inovadoras, gerando incerteza entre os fornecedores de serviços financeiros e os consumidores. Além disso, regulamentações rigorosas sobre identificação e verificação de clientes, embora necessárias para prevenir a lavagem de dinheiro e o uso fraudulento dos sistemas, podem representar obstáculos à inclusão financeira, uma vez que muitos usuários em potencial não dispõem da documentação exigida para acessar esses serviços.

A ausência de uma regulação harmonizada entre os países constitui uma restrição central à expansão dos serviços fintech e dos sistemas de pagamento digital. Cada país tem seu próprio marco regulatório, o que cria um ambiente fragmentado que dificulta a padronização dos métodos de pagamento e a interoperabilidade dos serviços. Isso obriga

as empresas a se adaptarem a uma norma distinta em cada país, dificultando a expansão e a implementação de soluções inovadoras em nível regional. Em alguns casos, existem lacunas legais em torno de determinadas tecnologias. É o caso das carteiras digitais no Peru. Durante muitos anos, o marco regulatório naquele país não contemplava, de forma específica, o funcionamento e a regulamentação das carteiras digitais. Isso gerou incerteza tanto para as empresas fintech quanto para os usuários, que não tinham clareza sobre como atuar legalmente nesse setor. Na ausência de uma regulação adequada, muitas empresas demonstraram resistência em investir no desenvolvimento desse tipo de solução.

Outros países da região criaram ambientes regulatórios mais favoráveis à adoção dos pagamentos digitais. Por exemplo, o Brasil implementou o PIX, um sistema de pagamentos instantâneos que permite transferências rápidas e seguras via dispositivos móveis, promovido pelo Banco Central do Brasil. Esse sistema impulsionou a adoção de pagamentos digitais ao eliminar tarifas elevadas e facilitar o acesso a uma ampla gama de usuários. De forma semelhante, o México incentivou o uso da banca móvel e dos pagamentos digitais por meio de iniciativas como o CoDi (cobro digital), que permite pagamentos eletrônicos com uso de códigos QR e conta com o respaldo do governo.

Apesar desses avanços, ainda existem desafios relevantes que precisam ser enfrentados. A ausência de infraestrutura digital adequada em áreas rurais e menos desenvolvidas, assim como os baixos níveis de alfabetização digital e financeira entre determinados segmentos da população, limitam o potencial dos sistemas de pagamento móvel e da banca digital. Além disso, tensões entre as instituições tradicionais do sistema financeiro e as fintechs também podem dificultar o ambiente regulatório, gerando resistência à inovação e à mudança. Dessa forma, é fundamental que os governos colaborem com o setor privado na criação de marcos regulatórios que favoreçam a inovação e a

cooperação, garantindo que os benefícios dos pagamentos digitais cheguem a todos os cidadãos da ALC. Dois exemplos de boas práticas são Brasil e Costa Rica, onde os respectivos bancos centrais assumiram um papel ativo além da administração e supervisão do sistema nacional de pagamentos, ao fornecer infraestrutura e estabelecer padrões comuns para os agentes do ecossistema (Herrera et al., 2024).

Promover o desenvolvimento de um setor agrícola moderno

Até algumas décadas, o aumento da renda nacional baseado na exportação de matérias-primas era visto como limitado e insuficiente para permitir que a região avançasse rumo a uma trajetória de crescimento sustentado. Embora a agricultura de subsistência ainda persista, a ALC vem assumindo um papel crescente como fornecedora de alimentos para o restante do mundo. Nos últimos anos, a região se destacou por apresentar um elevado superávit comercial de alimentos, significativamente superior ao de qualquer outra região global. Isso se reflete na elevada participação das exportações agrícolas no total das exportações da ALC. Em 2023, 21% das exportações da ALC foram compostas por produtos agrícolas. No mesmo período, esse percentual foi de apenas 7% entre os países da OCDE. Já entre os países que compõem o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a participação dos produtos agrícolas foi de apenas 6% em 2023. Vale ressaltar que esses dados refletem o comportamento da matriz de exportações da América Latina, uma vez que a matriz do Caribe se caracteriza pelo peso expressivo das exportações de serviços, impulsionado em grande parte pela predominância do turismo.

Gráfico 5.1 Composição das exportações da ALC, 2023

Nota: Produtos agrícolas: animais vivos; carnes e preparações de carnes; laticínios e ovos de aves; cereais e preparações à base de cereais; hortaliças e frutas; açúcar, preparações à base de açúcar e mel; café, chá, cacau, especiarias e suas manufaturas; rações para animais (exceto cereais não moídos); diversos produtos e preparações comestíveis; bebidas; tabaco e manufaturas de tabaco; couros, peles e peles em bruto; sementes e frutos oleaginosos; borracha em estado bruto (incluindo sintética e regenerada); cortiça e madeira; polpa e resíduos de papel; fibras têxteis e seus resíduos; pesca.

Energia, minerais e ouro: fertilizantes e minérios brutos; minérios metálicos e resíduos de metal; matérias- primas de origem animal e vegetal, n.e.p. (não especificadas em outra parte); carvão, coque e briquetes; petróleo, produtos petrolíferos e materiais relacionados; gás, natural e manufaturado; corrente elétrica; óleos e gorduras de origem animal; óleos e gorduras vegetais fixos, brutos, refinados ou fracionados; óleos e gorduras animais e vegetais processados; moeda (exceto ouro), sem curso legal; ouro não monetário (excluindo minérios e concentrados de ouro).

Manufaturas, químicos e produtos industriais: produtos químicos orgânicos; produtos químicos inorgânicos; materiais para tingimento, curtimento e coloração; produtos medicinais e farmacêuticos; óleos essenciais para perfumaria e preparações de limpeza; fertilizantes; plásticos em formas primárias; plásticos em formas não pri- márias; materiais e produtos químicos, n.e.p.; couro, artigos de couro e peles curtidas; manufaturas de borracha, n.e.p.; manufaturas de cortiça e madeira (exceto móveis); papel e manufaturas de papel; fios têxteis e produtos relacionados; manufaturas de minerais não metálicos, n.e.p.; ferro e aço; metais não ferrosos; manufaturas de metal, n.e.p.; máquinas e equipamentos para geração de energia; máquinas especializadas; máquinas para trabalhar metais; outras máquinas industriais e peças; máquinas de escritório e equipamentos automáticos de processamento de dados; aparelhos de telecomunicações e gravação de som; máquinas, aparelhos e eletrodomésticos, n.e.p.; veículos rodoviários; outros equipamentos de transporte; construções pré-fabricadas, instalações sanitárias, de aquecimento e de iluminação, n.e.p.; móveis e partes dos mesmos; artigos de viagem, bolsas, etc.; vestuário e acessórios de vestuário; calçados; instrumentos profissionais e científicos, n.e.p.; apare- lhos fotográficos, bens ópticos, relógios e relógios de pulso; artigos manufaturados diversos, n.e.p.

Fonte: UNCTAD (2024).

Atualmente, a agricultura é um setor moderno que representa uma grande oportunidade para a região. Mesmo com graus variados de heterogeneidade dentro e entre os países, observa-se um setor em processo de inovação contínua, apoiado em métodos avançados de produção, como o uso de drones, imagens de satélite, agricultura de precisão e genética de ponta. O agronegócio moderno é capaz de responder rapidamente tanto às exigências variáveis impostas pelos grandes compradores – centros de processamento de alimentos e supermercados – quanto aos rigorosos requisitos dos consumidores. Com a introdução de avanços tecnológicos, são desbloqueados ganhos expressivos de produtividade, que se tornam ainda mais relevantes diante das pressões impostas pelas ações de mitigação no uso da terra na ALC. Essa inovação no setor será também essencial para a adaptação às mudanças climáticas. Tecnologias como a irrigação por gotejamento e os cultivos geneticamente modificados, resistentes ao estresse hídrico, às alterações de temperatura e às pragas, contribuem para maximizar o uso das terras cultiváveis e dos recursos hídricos (Brassiolo et al., 2023).

Fortalecer o papel da agricultura como motor do crescimento econômico requer a transformação vertical do setor, para que ele empregue mais trabalhadores em empresas mais produtivas e se integre melhor às cadeias globais de suprimentos. Esses objetivos envolvem a promoção de parcerias público-privadas e maior investimento em inovação, bem como a adoção de processos mais sofisticados e produtivos (Ghezzi et al., 2022). Além disso, esse processo de transformação da agricultura deve incorporar a noção de sustentabilidade, especialmente em um contexto no qual a maior parte das emissões da região tem origem na atividade agropecuária (Brassiolo et al., 2023).

Promover melhorias de produtividade no setor de serviços não transacionáveis

A industrialização foi o principal motor do crescimento econômico moderno. Nos países em desenvolvimento, a manufatura oferecia a vantagem de empregar trabalhadores com baixa qualificação. Contudo, a indústria manufatureira atual tende a inovar por meio de profissionais com qualificações mais elevadas, o que reduz a demanda por trabalhadores com menor escolaridade. A automação acelerou ainda mais essa tendência. Hoje, a vantagem relativa que as economias em desenvolvimento costumavam ter em função da abundância de mão de obra não qualificada está em xeque. Essa nova realidade impõe ao setor de serviços a responsabilidade de absorver a maior parte dessa força de trabalho deslocada, em especial a menos qualificada (Rodrik e Sandhu, 2024; Nayyar et al., 2021). 

Dado que os serviços se consolidam como principal fonte de novos empregos para essa mão de obra, as ações de política industrial precisam ser reorientadas para promover ganhos de produtividade amplos nesse setor da economia. Essa é a única maneira de gerar aumentos substanciais da renda agregada. Os ganhos de produtividade também são centrais para a agenda de equidade, pois o único meio sustentável de tirar pessoas da pobreza é por meio de empregos bem remunerados (Rodrik e Stiglitz, 2024). Essa realidade é particularmente relevante quando se considera que aproximadamente 80% da renda total dos domicílios da ALC provêm da renda do trabalho (Rodríguez Castelán et al., 2016).

Em alguns países como Índia e Filipinas, foram desenvolvidas indústrias de serviços transacionáveis que, geralmente, demandam alta qualificação, como os serviços de tecnologia da informação, serviços financeiros e a terceirização de processos de negócios. Embora esses setores apresentem dinâmicas significativas de ganhos de produtividade, eles não são os que absorverão a maior parcela da mão de obra disponível (Nayyar e Vargas da Cruz, 2018). Do ponto de vista do desenvolvimento, os serviços transacionáveis enfrentam a mesma limitação das indústrias manufatureiras integradas às cadeias globais de valor: seu potencial de geração de empregos em larga escala para trabalhadores pouco qualificados é limitado.

O setor informal é o maior empregador da América Latina e do Caribe. Os empregos disponíveis são gerados por micro e pequenas empresas ou por trabalhadores por conta própria. Para impulsionar um aumento generalizado da produtividade, o desafio está em promover ganhos de produtividade nos setores que oferecem serviços tipicamente não transacionáveis e que absorvem grande volume de mão de obra pouco qualificada, como o comércio varejista e os serviços de cuidado (Rodrik e Stiglitz, 2024). Esses setores, que na nossa região concentram elevada informalidade, apresentam baixos níveis de produtividade e nunca foram objeto específico das políticas de desenvolvimento produtivo. Embora seja verdade que muitos trabalhadores atuem nesses segmentos como forma de sobrevivência, uma parte desses microempreendimentos e pequenas empresas tem margem para incorporar estratégias e políticas que estimulem ganhos de produtividade do trabalho. 

Rodrik e Sandhu (2024) delineiam uma nova política industrial centrada nos serviços não transacionáveis com base em quatro pilares. Primeiro, trabalhar com empresas grandes, estabelecidas e relativamente produtivas para incentivá- las a ampliar seu quadro de pessoal, seja de forma direta ou por meio de suas cadeias de suprimentos locais. Por exemplo, o governo poderia estabelecer parcerias com plataformas de serviços de entrega, que se popularizaram durante e após a pandemia e empregam, em sua maioria, jovens. O governo pode apoiar o recrutamento de entregadores por meio de feiras, ajustes regulatórios e da publicação de bases de dados com potenciais candidatos.

O segundo pilar consiste em focar nas empresas menores e buscar o fortalecimento de sua capacidade produtiva por meio do fornecimento de insumos públicos específicos. Esses insumos podem incluir capacitação em gestão, concessão de crédito ou subsídios, formação de habilidades para os trabalhadores, infraestrutura direcionada ou assistência tecnológica. Dada a heterogeneidade das empresas nesse segmento, as políticas devem adotar uma abordagem diferenciada conforme o porte dos negócios. Nesse pilar, é previsto um mecanismo de seleção das firmas com maior potencial de crescimento, reconhecendo que nem todas alcançarão níveis elevados de produtividade e sucesso. Uma área central nessa linha de ação é o acesso ao financiamento para a criação e expansão de empresas inovadoras.

O terceiro pilar propõe o uso da tecnologia para complementar as habilidades de trabalhadores com baixa qualificação. Essa estratégia busca permitir que pessoas com menor nível de escolaridade utilizem a tecnologia para ampliar o leque de tarefas que podem desempenhar, viabilizando o exercício de atividades normalmente reservadas a profissionais mais qualificados. Essa linha de ação entende a inteligência artificial e outras tecnologias como ferramentas de capacitação para trabalhadores menos qualificados. Assim, a tecnologia deixa de ser apenas uma ameaça e passa a representar uma oportunidade de inclusão produtiva. Na área da saúde, especialmente na oferta de serviços de cuidado a adultos mais velhos, as ferramentas digitais têm grande potencial para permitir que cuidadores com menos experiência prestem serviços mais avançados aos seus pacientes.

O quarto pilar defende a capacitação de trabalhadores com menor escolaridade, com foco claro na oferta de programas de apoio aos que buscam emprego, visando aumentar sua empregabilidade. Isso inclui, por sua vez, elevar a probabilidade de permanência no emprego e fomentar possíveis progressões de carreira (Carranza e McKenzie, 2024). Um bom exemplo é o programa “Jovens Construindo o Futuro”, implementado no Brasil, Colômbia e El Salvador e, mais recentemente, no México (Kleijn et al., 2017). O programa é composto por três eixos: parcerias com o setor privado; capacitação, apoio para inserção no mercado de trabalho e acompanhamento; e produção de evidências sobre os impactos para permitir sua ampliação e replicação em outros países.

O papel dos governos subnacionais é fundamental no desenho e na execução de políticas industriais voltadas ao setor de serviços. Considerando que muitas oportunidades de crescimento econômico e desenvolvimento estão profundamente ligadas às realidades locais, é essencial que as decisões sobre focalização — definição de setores e grupos-alvo das políticas — sigam uma abordagem territorial. Especificamente, uma nova política industrial voltada para serviços como turismo, tecnologia ou serviços profissionais requer a promoção de clusters locais de inovação, o apoio às PMEs e a implementação de estratégias para atrair investimentos alinhados às demandas e especificidades das economias locais, sobretudo por parte dos governos subnacionais. Além disso, são esses governos que estão em melhor posição para coordenar parcerias entre o setor privado, a academia e a sociedade civil, promovendo o desenvolvimento do capital humano e da infraestrutura necessária. 

Conceber a biodiversidade e os ecossistemas como fonte de riqueza 

A ALC é uma região excepcionalmente rica em termos de ecossistemas e biodiversidade. A região abriga 6 dos 17 países com maior biodiversidade do planeta (México, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Brasil). Além disso, concentra aproximadamente entre 60% e 70% de todas as espécies conhecidas, mesmo representando apenas cerca de 16% da superfície terrestre global. Isso inclui mais da metade das espécies de plantas, 40% das espécies de mamíferos, aves e anfíbios, e 30% das espécies de répteis (Brassiolo et al., 2023). Essa imensa riqueza oferece serviços ecossistêmicos que funcionam como fonte de proteção e adaptação às mudanças climáticas, por meio da moderação de eventos extremos e da regulação do clima local. 

Os serviços ecossistêmicos também influenciam diretamente a atividade econômica dos nossos países. A rica biodiversidade impacta a produtividade agrícola, e a diversidade de espécies está associada ao desenvolvimento da indústria pesqueira, do setor de turismo e à disponibilidade de minerais (especialmente minerais críticos e terras raras). Para além dos benefícios econômicos imediatos, a biodiversidade da ALC representa também uma riqueza estratégica de longo prazo. Em vez de depender exclusivamente da extração de recursos naturais, como minerais ou petróleo, a região tem a oportunidade de transformar seus ecossistemas e espécies em ativos valiosos para setores como o farmacêutico, a agroindústria e a biotecnologia, que podem crescer exponencialmente com o apoio de políticas adequadas e a incorporação de tecnologias avançadas. O turismo também se apresenta como um setor-chave, com um enfoque sustentável de geração de riqueza a partir da diversidade (ver quadro 5.2).

Grande parte do esforço de crescimento da América Latina estará ligado ao setor agrícola, que também tem uma conexão muito importante com o setor de turismo. Nossa agricultura é parte da grande beleza topográfica da região. Os ativos naturais da América Latina devem ser combinados para potencializar suas capacidades no setor agrícola e agroindustrial, além de seu potencial de atração turística.

Baseado em entrevista com Augusto de la Torre

A indústria farmacêutica pode se beneficiar enormemente do vasto catálogo de espécies vegetais e animais existentes na ALC. As propriedades medicinais de muitas dessas espécies ainda não foram exploradas ou estão em estágio inicial de desenvolvimento comercial. Ao focar na pesquisa e no desenvolvimento sustentável de produtos derivados da biodiversidade, empresas farmacêuticas podem descobrir novos medicamentos, tratamentos e terapias. A abordagem sustentável é essencial, pois garante a disponibilidade desses recursos no longo prazo, evitando a sobreexploração e a degradação dos ecossistemas.

Na agroindústria, a biodiversidade também oferece um enorme potencial para o desenvolvimento de produtos de alto valor comercial, capazes de posicionar a ALC em mercados especializados. Um exemplo claro é o cacau, cuja diversidade genética na região permite o cultivo de variedades únicas e de alta qualidade, ideais para a produção de chocolates gourmet. Essas variedades especiais, com perfis de sabor distintos e complexidade aromática, podem ser exploradas em nichos de mercado que valorizam produtos exclusivos e artesanais, aumentando significativamente seu valor comercial. Ao desenvolver uma oferta de produtos agrícolas premium, a região pode gerar maiores receitas e consolidar sua reputação como referência em qualidade e sustentabilidade.

Da mesma forma, a biodiversidade vegetal e animal da região pode ser aproveitada para a inovação em alimentos e produtos agroindustriais. A crescente demanda mundial por alimentos orgânicos, saudáveis e sustentáveis ainda não está plenamente atendida. Produtores podem aproveitar variedades locais de frutas, ervas e grãos, não apenas para fortalecer a segurança alimentar, mas também para desenvolver alimentos funcionais — conhecidos como superalimentos — com benefícios nutricionais específicos, altamente valorizados nos mercados internacionais. A chave, mais uma vez, está em promover um modelo de exploração sustentável que permita conservar os recursos biológicos ao mesmo tempo em que gera renda significativa para produtores e economias locais.

A biotecnologia, por sua vez, pode aproveitar a biodiversidade para desenvolver soluções inovadoras em diversos setores, da agricultura à energia. Tecnologias como edição genética, biofabricação e biossíntese podem transformar recursos naturais em produtos sustentáveis e de alto valor agregado, como biocombustíveis, plásticos biodegradáveis e compostos químicos mais ecológicos. Além disso, o desenvolvimento de biotecnologias que favoreçam a conservação dos ecossistemas e a reabilitação de terras degradadas pode gerar uma sinergia entre a preservação da biodiversidade e o crescimento econômico sustentável.

Um elemento muito importante para o crescimento da produtividade, das capacidades produtivas de empresas já organizadas como tal, é a inovação. E a inovação, por um lado, no sentido de adotar melhores técnicas de produção, mas também — e principalmente — no sentido de inventar melhores produtos e serviços que sejam mais desejáveis para as pessoas e que gerem mais valor agregado para a empresa, para a economia e para as pessoas que estão ligadas a essa empresa.

Baseado em entrevista com Marcela Eslava

Quadro 5.2 Turismo: fonte de crescimento sustentável e inclusivo

A ALC responde à crescente demanda por turismo de natureza e de valor cultural. Em termos de contribuição para o PIB, o Caribe se destaca com 26,8%, significativamente acima da média mundial de 8,9% e dos 7,9% da América Latina. Quanto ao emprego gerado por esse setor, o Caribe também se sobressai com 17,7%, em comparação com 10,5% no mundo e 7,7% na América Latina. O turismo também se consolidou como um setor com alta participação feminina, especialmente no Caribe, onde a taxa de participação laboral das mulheres é de 62,2%. Na América Latina, essa taxa é de 54,7%, valor semelhante à média mundial de 54%. Além disso, o setor de turismo também representa uma porta de entrada para o mercado de trabalho para os jovens da região. De fato, o emprego juvenil nesse setor é tão expressivo que supera os índices do resto do mundo: 30% no Caribe, 25% na América Latina e 20% no restante do mundo. Além disso, um em cada três jovens inicia sua trajetória profissional no setor turístico.

O setor apresenta três vantagens estratégicas que estão alinhadas com os objetivos de um crescimento inclusivo e sustentável. A primeira é que os postos de trabalho gerados pelo turismo são dificilmente substituíveis por tecnologia (como hotelaria, restaurantes, guias turísticos etc.) e tendem a incorporar mão de obra com baixa qualificação (ver seção “Promover melhorias de produtividade no setor de serviços não transacionáveis” deste capítulo). A segunda é que se trata de um recurso inesgotável, desde que gerido de maneira sustentável. Por fim, as novas tendências globais e a demanda dos consumidores exigem a promoção de um novo modelo de turismo, que valorize mais a cultura e o intercâmbio com a população local, assim como a responsabilidade ambiental.

Nessa linha, a estratégia do CAF busca fomentar um modelo de turismo mais verde, inclusivo, inovador, criativo e equipado com as novas tecnologias digitais. Esse modelo exige, em primeiro lugar, investimentos em um setor ambientalmente responsável e de baixo carbono, resiliente e adaptado às mudanças climáticas. Também, a incorporação de uma agenda de mitigação que logre a regeneração de ecossistemas e fomente a conservação de áreas protegidas.

Em segundo lugar, o novo modelo deve fomentar um turismo com enfoque de gênero, tanto do lado da oferta como da demanda. Também se devem ter mais em conta as necessidades de pessoas com deficiência e incluir um novo modelo de negócio que se apoie nas vantagens do turismo comunitário.

Os destinos e modalidades de turismo que se oferecem devem, em terceiro lugar, incorporar novos produtos. A inovação do setor recai sobre a habilidade da região para incorporar o uso da tecnologia e da digitalização, sobretudo para facilitar o acesso de mais consumidores.

Em quarto lugar, fomentar produtos turísticos criativos resulta chave para liderar a aposta pelo turismo cultural. Nos últimos anos, alguns grupos de consumidores revelaram suas preferências por gastronomia e enologia e, no caso das cidades, a demanda por museus, teatros e centros culturais reforçou a necessidade de fazer os investimentos necessários nessas atrações. Assim também, uma maior valorização da cultura indígena e afro-latina pode abrir ainda maiores mercados baseados na herança histórica da região.

Finalmente, um setor turístico mais equipado resulta chave para implementar várias das linhas de ação delineadas anteriormente. Esse equipamento não se limita a investimentos em infraestrutura, sobretudo resiliente e sustentável, mas passa também por uma maior conectividade e segurança nos destinos.

(…) Voltando ao turismo, temos que melhorar o transporte no Caribe. Não dispomos de um bom sistema de transporte interregional. (…) O problema com os viagens interregionais é que não há voos suficientes disponíveis e são muito caros (…) Tampouco temos um serviço regional de balsas (…) Precisamos desenvolver a capacidade do Caribe em transporte, tanto aéreo como marítimo (…) Podemos melhorar muito nosso produto turístico.

Baseado em entrevista com Colm Imbert

O Caribe está lutando, como outras partes do mundo, com problemas relacionados com a proliferação do crime. (…) Há uma relação direta entre o crime e o rendimento econômico (…) As pessoas não se vão sentir seguras para vir visitar e gastar seu dinheiro. E assim, a economia se paralisa.

Baseado em entrevista com Karen-Mae Hill

No contexto da transição energética, a ALC possui importantes vantagens geográficas para o desenvolvimento das energias limpas (ver gráfico 5.2). Em particular, a geografia da região brinda importantes vantagens comparativas para a geração de eletricidade a partir de fontes solares e eólicas (Allub et al., 2024). Assim, por exemplo, na zona da Puna (que abrange territórios da Argentina, Bolívia, Chile e Peru) encontra-se a área com o maior potencial prático de energia fotovoltaica do mundo. Usar fontes de energia não convencionais em pequena escala pode ser uma forma custo-efetiva de alcançar regiões isoladas na extensa geografia de nossa região. Dessa forma, é de esperar que a participação das energias renováveis na matriz elétrica da região aumente nos próximos anos. Conforme abordado no Capítulo 4, as energias solar e eólica terão papéis ainda mais relevantes em meio a um processo acelerado de eletrificação de toda a matriz energética (ver Gráfico 5.3).

Para que o mundo se descarbonize, será necessário eletrificar tudo o que for possível — e gerar essa eletricidade de forma limpa, como no caso do transporte com veículos elétricos. Há muitas áreas da produção envolvidas na criação dos elementos que possibilitariam a descarbonização global. Muitas dessas áreas dependem de minerais críticos. A América Latina é potencialmente rica nesses minerais. A Bolívia possui as maiores reservas de lítio do mundo; o Chile e a Argentina também detêm reservas gigantescas, e as reservas de cobre da região são expressivas. Existe todo um papel que a região pode desempenhar para viabilizar a descarbonização do planeta.

Baseado em entrevista com Ricardo Hausmann

Gráfico 5.2 Geração de energia elétrica limpa por região

Nota:  Energia limpa inclui: solar, eólica, hidráulica, nuclear e outras fontes renováveis. A geração restante é composta por petróleo, carvão, gás e biomassa.

Fonte: Elaboração própria com base em dados processados por Our World in Data (2023).

Gráfico 5.3 Participação da energia solar e eólica na matriz elétrica total, cenário atual e compromissos anunciados para a América Latina e o Caribe

Nota:  “Políticas atuais” refere-se ao cenário em que as políticas futuras dos governos são aquelas atualmente implementadas ou em desenvolvimento. O cenário de “Compromissos anunciados” considera que todos os objetivos declarados pelos governos serão plenamente cumpridos nos prazos estipulados.

Fonte: Elaboração própria com base em dados processados da AIE (2023) e Our World in Data (2023).

A imposição de tarifas e restrições comerciais com base no conteúdo de carbono de bens e serviços tornará o acesso à energia limpa uma vantagem competitiva fundamental. Essas potenciais barreiras comerciais poderão incentivar a localização de empresas em países que ofereçam energia limpa, estável e de baixo custo (powershoring). Como a descarbonização também impulsionará a formação de cadeias de valor para atender à demanda por energia limpa, a região deve explorar suas vantagens comparativas na produção de energia renovável e no acesso a minerais como lítio e cobre, a fim de ampliar sua presença nas CGV. Por exemplo, segundo dados do Our World in Data (2023), em 2022, 58% da eletricidade na região era gerada a partir de fontes limpas, em comparação com 36% na média global.

A disponibilidade de energia renovável e barata é uma condição necessária, mas não suficiente, para atrair empresas à região. Também são necessários ambientes de negócios confiáveis e atrativos, que favoreçam a consolidação de investimentos produtivos (Allub et al., 2024). ). A boa notícia é que já existem alguns avanços. Um exemplo é o México, que, além disso, conta com a vantagem da proximidade com os Estados Unidos (nearshoring), no caso dos setores automotivo e eletrônico. Da mesma forma, o Chile tornou-se um destino para empresas de setores como mineração de cobre e tecnologias verdes, e o Brasil, para empresas tecnológicas e agrícolas.

Ampliar o potencial de posicionamento nas cadeias globais de valor (CGV)

Atualmente, a política comercial é influenciada por fatores geopolíticos (por exemplo, a imposição de tarifas sobre produtos chineses pelos Estados Unidos, o fechamento de fronteiras devido a conflitos armados ou o uso de esquemas de sanções) que acabam condicionando o comércio global e a conformação das CGV. A rivalidade entre China e Estados Unidos não dá sinais de arrefecimento no curto prazo. Adicionalmente, o surgimento e a persistência de outros conflitos armados na Europa e no Oriente Médio têm impulsionado a localização de empresas em países percebidos como aliados e/ou menos propensos a se envolver em confrontos. Por ser uma região de baixo risco bélico, a ALC pode se posicionar como fornecedora confiável de insumos.

Nos últimos anos, Estados Unidos, China e Europa implementaram diversas proibições, restrições e exigências de licenciamento para exportações e importações, em uma conjuntura histórica na qual muitas dessas medidas têm origem em estratégias de posicionamento geopolítico. Embora alguns países da ALC com contextos internos complexos tenham sido impactados4, de forma geral, a região tem estado entre as menos expostas à imposição dessas medidas (Estevadeordal et al., 2024). 

Historicamente, nossa abertura comercial tem sido extremamente limitada em comparação com outras regiões. Esses níveis de abertura são particularmente baixos entre os países da América do Sul (Drakopoulos, 2024). Atualmente, a região apresenta avanços limitados em sua inserção nas cadeias globais de valor. O Gráfico 5.4 mostra que, exceto pelo México, o valor agregado estrangeiro sobre o total de valor agregado exportado pelas economias da ALC é muito baixo. Embora alguns países apresentem participação relevante de insumos (por exemplo, Uruguai, El Salvador e Paraguai), seu nível de integração externa ainda é bastante reduzido. Em comparação com a Ásia ou a Europa, a ALC apresenta menores níveis de participação em conexões backward ou forward — ou seja, entre o setor produtivo e seus fornecedores, e entre o setor produtivo e seus consumidores — e, além disso, revela maior fragilidade no desenvolvimento de cadeias globais dentro da própria região (Estevadeordal et al., 2024).

O outro elemento muito importante do comércio internacional, relacionado aos insumos, é o aprofundamento crescente das cadeias globais de valor. O fato de eu poder produzir aqui um insumo que outra pessoa irá utilizar, ou uma parte de um bem que será montado ou complementado em outro lugar, até ser finalmente finalizado em uma terceira geografia do mundo, representa um canal potencial de crescimento — que tem se expandido exponencialmente no mundo — e no qual a América Latina ainda tem muito espaço para se inserir e aproveitar melhor esses ganhos.

Baseado em entrevista com Marcela Eslava

Gráfico 5.4 Participação da ALC nas cadeias globais de valor

Nota:  O gráfico apresenta a relação entre a porcentagem do valor agregado regional sobre o valor agregado estrangeiro (eixo Y), em comparação com a porcentagem do valor agregado estrangeiro sobre o valor agregado exportado total (eixo X) por país. As exportações dos países são compostas por valor agregado doméstico e valor agregado estrangeiro, sendo que o valor agregado estrangeiro pode ser regional (originado em países da mesma região) ou extrarregional (originado em países de fora da região). O tamanho das bolhas reflete o valor agregado total (doméstico e estrangeiro) exportado por cada país. O valor agregado regional inclui aquele proveniente dos países representados no gráfico.

Fonte: UNCTAD (2020).

Para que a ALC aproveite as atuais mudanças geopolíticas, os governos da região precisam investir em melhorias substanciais nos seus níveis de facilitação do comércio, que seguem muito abaixo dos observados em regiões mais avançadas (ver Gráfico 5.5). Os índices de facilitação do comércio na ALC costumam apresentar desempenho desigual, com alguns países avançando na simplificação de procedimentos aduaneiros e na digitalização, enquanto outros enfrentam desafios significativos em infraestrutura e regulação. Essa variabilidade implica que, enquanto algumas economias estão melhorando sua competitividade global e atraindo mais investimentos, outras correm o risco de ficar para trás, limitando sua capacidade de se integrar plenamente às cadeias de valor internacionais e usufruir dos benefícios do comércio global.

Ao impor requisitos mais rigorosos em termos de sustentabilidade, qualidade e rastreabilidade, os mercados globais estão orientando as empresas da ALC a se adaptarem, incorporando práticas que aumentem a competitividade de seus bens e serviços. Para isso, é fundamental que tanto o setor público quanto o privado invistam em infraestrutura técnica, desenvolvimento de capacidades e melhorias na governança que facilitem a adoção desses padrões. Além de abrir novas oportunidades de mercado, as certificações vinculadas a práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) permitem que produtos latino-americanos, como os agroindustriais, se destaquem em segmentos premium, contribuindo para uma maior diversificação e sofisticação produtiva.

Gráfico 5.5 Índices de facilitação do comércio OCDE 2022

Nota: Relata-se a média de 11 dimensões de facilitação do comércio. Automatização; procedimentos; cooperação com a agência de fronteira interna; cooperação com a agência de fronteira externa; governança e imparcialidade; disponibilidade de informações; participação da comunidade do comércio; resoluções antecipadas; procedimentos de apelação; comissões e gastos; documentos.

Fonte: Elaboração própria com base em OCDE (2022).

Também é fundamental contar com marcos jurídicos transparentes e estáveis para atrair o investimento estrangeiro direto. Além disso, é importante aprimorar os marcos jurídicos específicos que favoreçam o combate à corrupção e à lavagem de ativos, contribuindo para mitigar os riscos associados à interação com parceiros, fornecedores ou jurisdições sancionadas. Alinhar as políticas domésticas aos padrões ambientais e tecnológicos de parceiros comerciais estratégicos, como Europa e Estados Unidos, pode posicionar os países da região como parceiros atrativos diante das novas diretrizes da política industrial nas economias avançadas. De modo geral, serão essenciais os esforços diplomáticos para promover a ALC como uma região atraente para o capital internacional.

Nesse contexto, a transição energética representa novas oportunidades de inserção da região nas CGV. Por um lado, as tecnologias que surgirão ou se consolidarão — e que serão indispensáveis para essa transformação — demandarão minerais críticos encontrados em abundância na região (ver Gráfico 5.6). Painéis solares fotovoltaicos, redes de eletricidade e energia eólica, por exemplo, exigirão grandes quantidades de cobre. No caso de veículos elétricos e baterias, haverá uma elevada demanda não apenas por cobre, mas também por cobalto, níquel, terras raras e lítio (Allub et al., 2024). Por outro lado, países como Argentina, Venezuela e Brasil possuem amplas reservas de gás natural. A construção de usinas de liquefação poderia viabilizar a inserção diferenciada desses países como exportadores de energia. Além disso, a região tem a oportunidade de se consolidar, a médio prazo, como produtora e, eventualmente, exportadora de hidrogênio de baixas emissões.

Também apresenta grande potencial para se posicionar nas cadeias globais de valor por meio da expansão de serviços transacionáveis, como os financeiros, de tecnologia da informação e de consultoria empresarial. Tais serviços, que podem ser exportados sem a necessidade de presença física do fornecedor, representam uma oportunidade para que a região diversifique sua base exportadora e reduza sua dependência de matérias-primas. Países como Costa Rica e Uruguai demonstraram que, com políticas adequadas, é possível criar ecossistemas competitivos capazes de atrair investimentos estrangeiros em setores de alto valor agregado, especialmente em tecnologia e serviços compartilhados.

A força de trabalho qualificada em expansão, especialmente em áreas como tecnologia e inovação digital, constitui outra vantagem da ALC na oferta de serviços transacionáveis em segmentos de alto valor. Em muitos países, o crescente acesso à educação superior e a proliferação de centros tecnológicos contribuíram para formar uma base de profissionais jovens e talentosos. Empresas multinacionais têm voltado sua atenção para cidades como Bogotá, Buenos Aires e Monterrey, considerando-as hubs tecnológicos emergentes para o desenvolvimento e a exportação de serviços como software, design e análise de dados. Isso permite à ALC capturar uma parcela maior do valor agregado gerado por esses setores dinâmicos.

Outros campos, como o desenvolvimento de fintechs (ver Capítulo 2 e Quadro 5.3), a terceirização de processos empresariais (BPO), a inteligência artificial e a análise de big data, também oferecem à região oportunidades de especialização. Para se posicionar como fornecedora competitiva de serviços altamente qualificados em escala global, a ALC precisa integrar novas tecnologias e modernizar seus marcos regulatórios. Isso permitirá atrair investimentos, gerar empregos de qualidade e, ao mesmo tempo, melhorar sua inserção nas cadeias globais de valor.

Gráfico 5.6 Participação global da ALC na produção e nas reservas de minerais críticos (2022)

A. Produção de minerais críticos

B. Reservas de minerais críticos

Nota:  Um recurso mineral é uma concentração de minerais identificada e mensurada com razoável certeza, mas cuja extração ainda não se demonstrou economicamente viável. Uma reserva mineral é uma porção de um recurso mineral cuja extração se comprovou econômica e legalmente viável nas condições socioeconômicas e operacionais atuais.

Fonte: Elaboração própria com base em U.S Geological Survey (2023).

Quadro 5.3 As empresas fintech na ALC

O ecossistema fintech da ALC está crescendo rapidamente. Atualmente, há empresas que conseguiram transformar os serviços financeiros na região e se projetar internacionalmente. Um exemplo notável e amplamente conhecido é o Mercado Libre, atualmente uma das maiores companhias de comércio eletrônico da região, que desenvolveu o Mercado Pago, sua própria plataforma de pagamentos digitais. O Mercado Pago tem sido essencial para a inclusão financeira de milhões de pessoas e possui enorme potencial para integrar-se às cadeias globais de valor ao facilitar pagamentos transfronteiriços e oferecer soluções financeiras tanto para consumidores quanto para micro, pequenas e médias empresas.

Outro exemplo é o Nubank, uma das maiores fintechs do mundo, originada no Brasil e que expandiu sua atuação para mercados como México e Colômbia. O Nubank conseguiu democratizar o acesso ao crédito e aos serviços bancários, desafiando a banca tradicional com sua abordagem digital. Essa empresa demonstrou que as fintechs podem escalar rapidamente e competir em mercados internacionais, ao mesmo tempo em que aproveitam características comuns das economias emergentes, nas quais a digitalização financeira e a inclusão são necessidades urgentes.

A Clip, no México, especializada em soluções de pagamento móvel e terminais de ponto de venda, e a Ualá, na Argentina, uma plataforma que oferece cartões pré-pagos e serviços financeiros por meio de um aplicativo, são outros exemplos de fintechs da ALC em plena expansão e que vêm atraindo investimento internacional. A Clip tem sido fundamental na digitalização dos pagamentos de pequenos comércios no México, e sua tecnologia possui alto potencial de exportação para outros mercados emergentes. A Ualá, com presença no México e na Argentina, seguiu um caminho semelhante, expandindo-se e promovendo a inclusão financeira por meio da tecnologia.

Por sua natureza, essas empresas são inovadoras em suas soluções e têm potencial para se integrar às cadeias globais de valor ao facilitar transações rápidas e seguras, aproveitando tecnologias como blockchain e inteligência artificial para otimizar processos financeiros. Essas capacidades as tornam atrativas para colaborar com grandes atores internacionais em setores como comércio, logística e banca global, além de permitirem adaptação a diferentes marcos regulatórios e expansão para além da região.

Notas al pie

  1. Ver https://ourworldindata.org/grapher/mobile-landline-subscriptions.
  2. Esse modelo pode servir como referência para países em desenvolvimento com sistemas bancários menos consolidados. Ver https://www.brookings.edu/articles/is-chinas-new-payment-system-the-future/.
  3. Ver https://www.gov.br/en/government-of-brazil/latest-news/2022/the-brazilian-govt-is-bringing-high-speed-connectivity-to-every-city-with-poor-or-unavailable-access-to-internet.
  4. Países como Venezuela, Belize, Suriname, Bolívia, Honduras e Nicarágua têm espaço para fortalecer e aprimorar os termos de suas alianças diplomáticas com os principais centros de produção e consumo.