Aproveitando novas (e antigas) oportunidades: avançando com a agenda pendente e o papel do Estado e das instituições

Neste ponto, torna-se evidente a necessidade de uma estratégia de crescimento baseada no potencial das inovações tecnológicas, como a inteligência artificial, a digitalização e as energias renováveis. No entanto, sem bases econômicas sólidas que sustentem o crescimento de forma contínua, o salto em direção ao desenvolvimento pode se tornar insustentável. Nesse contexto, torna-se imperativo adotar políticas que promovam o investimento, estimulem ganhos de produtividade, fortaleçam as capacidades produtivas locais e aprimorem a infraestrutura física e digital. Assim, estarão estabelecidas as bases para um futuro mais competitivo (ver Capítulo 2).

O fundamental é pensar em modelos de geração de riqueza que sejam inclusivos. Isso se alcança com o fortalecimento de políticas que assegurem que todos os setores da sociedade se beneficiem desses avanços. A região ainda tem uma dívida a saldar com a redução da desigualdade e a inclusão de populações tradicionalmente marginalizadas, como comunidades rurais, mulheres, pessoas idosas, jovens, povos indígenas e comunidades afrodescendentes. Para fechar as lacunas existentes, é crucial investir em capital humano, especialmente em educação e capacitação das populações mais vulneráveis.

A região deve priorizar políticas que promovam o acesso a uma educação de qualidade e ao desenvolvimento de habilidades tecnológicas (ver Quadro 3.2), fortalecendo a capacidade da força de trabalho para se adaptar às exigências de uma economia global digitalizada e de uma nova política industrial com foco em serviços não transacionáveis. 

Por exemplo, um país como a Colômbia: a que queremos nos dedicar? Queremos ser o país talvez das energias verdes, do nearshoring, queremos ser o país em que a biodiversidade possa ser monetizada. Então, quando um país compreende seu projeto produtivo, pode alinhar todas as suas políticas para que isso funcione bem. Esse é um primeiro ponto, e isso não ocorre na maioria dos países latino-americanos, com poucas exceções. Quando se entende o projeto desejado, então se desenham ou implementam políticas nos setores compatíveis com esse projeto — o que inclui o setor de capital humano.

Baseado em entrevista com Raquel Bernal

Por outro lado, a sustentabilidade deve ser um pilar central na estratégia de crescimento econômico da ALC. O avanço tecnológico e econômico não será viável a longo prazo se não for acompanhado de uma gestão responsável dos recursos naturais e de uma transição para modelos mais verdes e sustentáveis. Felizmente, nossa biodiversidade, a abundância de ecossistemas e as condições atmosféricas privilegiadas de alguns países podem se tornar uma fonte de riqueza que vai além da mera disponibilidade de matérias-primas. O potencial de produção de energia limpa é um exemplo claro de como a transição energética pode gerar um saldo positivo para a região. No entanto, aproveitar essa oportunidade exige políticas que incentivem a inovação em energias limpas, a redução de emissões e o uso eficiente dos recursos (ver Capítulo 4).

Avançar no triplo desafio de crescimento, inclusão e sustentabilidade na ALC não depende apenas da implementação de reformas nas políticas públicas, mas também do fortalecimento do ecossistema institucional que rege nossas sociedades. Os governos centrais e subnacionais desempenham um papel essencial na construção de um ambiente que viabilize essas transformações. A coordenação entre os diferentes níveis de governo é fundamental para garantir a coerência das políticas e sua implementação eficaz. Sem um alinhamento claro de prioridades, os esforços para promover o desenvolvimento econômico sustentável podem se fragmentar, especialmente em países com grandes disparidades territoriais e capacidades administrativas desiguais. O desafio consiste em garantir que tanto os governos nacionais quanto os locais atuem de forma sinérgica, otimizando os recursos e promovendo marcos regulatórios estáveis e previsíveis.

As instituições também desempenham um papel central nesse ecossistema. Nações com instituições inclusivas tendem a apresentar maior desenvolvimento econômico no longo prazo, enquanto aquelas com instituições extrativistas — ou seja, que beneficiam apenas uma elite — enfrentam estagnação econômica (Acemoglu et al., 2001). Um marco institucional sólido e transparente é fundamental para gerar confiança entre os atores econômicos e sociais, promovendo um ambiente propício ao investimento, à inovação e à coesão social. Não se pode negar que muitas das instituições da ALC enfrentam problemas de legitimidade e efetividade, agravados pela corrupção e pela falta de mecanismos adequados de prestação de contas. Para abordar os desafios da inclusão, é necessário que essas instituições se tornem mais representativas, transparentes e eficazes na prestação de serviços públicos. Modernizar essas estruturas é, portanto, fundamental para que as reformas de políticas públicas se concretizem e tenham um impacto duradouro e transformador.

Institucionalidade e capacidades do Estado

O êxito das políticas públicas depende da capacidade dos governos de formular, implementar e avaliar a normatização de forma eficaz. Um Estado com instituições sólidas, servidores capacitados e processos administrativos eficientes pode garantir que as políticas públicas sejam executadas de maneira coerente e sustentada ao longo do tempo. No cenário oposto, mesmo as políticas mais bem desenhadas estão fadadas ao fracasso, seja por falta de coordenação na execução, ineficiência na alocação de recursos ou dificuldade de adaptação a contextos em transformação. O fortalecimento das capacidades estatais é, portanto, um pré- requisito para que as políticas públicas atinjam seus objetivos e gerem um impacto positivo na sociedade.

De modo geral, as capacidades estatais podem ser definidas como a habilidade do Estado de implementar políticas. O que varia, segundo a literatura, é a forma como essas capacidades são mensuradas. Elissa e Fotini (2018), por exemplo, propõem que as capacidades estatais podem ser avaliadas com base em três funções do Estado: extração, coordenação e cumprimento (compliance, no termo original). Lindvall e Teorell (2016), por sua vez, sugerem que as capacidades estatais podem ser entendidas como o poder do Estado de alcançar os objetivos que estabelece para si, considerando como utiliza e investe seus recursos, bem como sua habilidade de exercer esse poder em todo o território sob seu controle. Sanguinetti e coautores, no RED 2015 (Sanguinetti et al., 2015), categorizam as capacidades do Estado em quatro grandes grupos. O primeiro refere-se às capacidades burocráticas e administrativas necessárias para o desenho e a implementação de políticas. O segundo diz respeito às capacidades legais, que abrangem aspectos como a capacidade de garantir o cumprimento de contratos, os direitos de propriedade e a existência de um sistema judicial que resolva disputas. O terceiro grupo são as capacidades de infraestrutura, ou seja, a capacidade do Estado de exercer controle efetivo e presença em seu território, assegurando o cumprimento da lei e a provisão equitativa de serviços públicos. Por fim, há a capacidade fiscal, definida como a habilidade do Estado de arrecadar tributos.

Os Indicadores Mundiais de Governança do Banco Mundial são uma fonte de dados que abordam e quantificam três das quatro dimensões propostas por Sanguinetti e outros (Sanguinetti et al., 2015): capacidade burocrática e administrativa, capacidades legais e capacidades de infraestrutura. O Gráfico 5.7 evidencia que a ALC ainda tem um longo caminho a percorrer nessas três dimensões. As lacunas tornam-se visíveis ao se comparar o desempenho dos países da OCDE com a média dos países latino- americanos. No caso dos países do Caribe, também são observadas diferenças em relação aos países desenvolvidos, embora essas sejam menos acentuadas. As médias regionais, contudo, ocultam grandes heterogeneidades entre os países. Na América Latina, observa-se que o Uruguai, seguido por Chile e Costa Rica, ainda que em menor grau, apresenta bom desempenho nos indicadores analisados, atingindo em alguns casos níveis mais próximos aos dos países da OCDE.

Gráfico 5.7 Capacidades estatais por país e por região (países selecionados)

A. Capacidade burocrática e administrativa

B. Capacidades legais

C. Capacidades de infraestrutura

Nota:  As capacidades burocráticas e administrativas são medidas pelo indicador de efetividade governamental, que capta as percepções sobre a qualidade dos serviços públicos, a qualidade do serviço civil e o grau de sua independência frente a pressões políticas, a qualidade na formulação e implementação de políticas, e a credibilidade do compromisso do governo com essas políticas. As capacidades legais são medidas pelo indicador de estado de direito (rule of law), que expressa as percepções sobre o grau em que as pessoas respeitam as normas da sociedade e, em especial, sobre a qualidade da aplicação de contratos, dos direitos de propriedade, da atuação da polícia e dos tribunais, bem como sobre a probabilidade de ocorrência de crimes e violência. As capacidades de infraestrutura são medidas pelo indicador de qualidade regulatória, que expressa as percepções sobre a capacidade do governo de formular e implementar políticas e regulações sólidas que possibilitem e promovam o desenvolvimento do setor privado.

Acredito que os formuladores de políticas na região realmente precisam lidar com a ampliação da base de arrecadação. De modo geral – apesar das taxas tributárias mais elevadas em muitos mercados emergentes –, a arrecadação de impostos não é das melhores. Portanto, quando falo em ampliar a base tributária, também me refiro à necessidade de maiores esforços. Mencionei antes a digitalização como uma ferramenta para melhorar a arrecadação. São necessários esforços concretos nessa direção.

Baseado em entrevista com Carmen Reinhart

As capacidades fiscais dos países da região, como era de se esperar, também são limitadas. O Gráfico 5.8 mostra que a arrecadação média na ALC gira em torno de 22% do PIB, contra 34,2% nos países da OCDE. Também evidencia grandes heterogeneidades na arrecadação entre os países da região. Argentina e Brasil são os países com maior arrecadação, com valores próximos a um terço do PIB, enquanto México e Peru arrecadam entre 17% e 18% do PIB. A estrutura tributária da ALC é relativamente homogênea, com maior predominância de impostos sobre bens e serviços. Nos países da OCDE, a participação dos impostos sobre valor agregado é semelhante à dos impostos sobre renda e lucros, além das contribuições para a seguridade social. Essa diferença entre regiões reflete a estrutura econômica e produtiva da ALC, o que exige ampliar a base tributária e combater a evasão fiscal — temas centrais em um contexto de elevada informalidade.

Gráfico 5.8 Receita fiscal total como porcentagem do PIB (2021)

Fonte: Elaboração própria com base em OCDE (2021).

Um fenômeno estreitamente ligado às capacidades estatais na nossa região é a corrupção, que nada mais é do que o uso indevido do poder público para obter benefícios privados. E não se trata necessariamente de atos unilaterais cometidos por servidores públicos. Frequentemente, a corrupção envolve conluio entre funcionários públicos e atores privados, como indivíduos ou empresas, o que agrava seu impacto e dificulta sua detecção e punição (Fajardo et al., 2019).

As capacidades do Estado não surgem espontaneamente; são fruto de decisões deliberadas. A sociedade precisa destinar parte de seus recursos para construir essa capacidade: contar com uma burocracia mais eficiente, com um Judiciário mais profissional, e, ao mesmo tempo, com maior capacidade fiscal. Isso requer um esforço contínuo e de longo prazo. Temos tendido a enxergar o Estado como algo residual, onde não se aplicam os mesmos padrões e exigências que são comuns em muitas empresas do setor privado na hora de selecionar pessoal.

Baseado em entrevista com Mauricio Cárdenas

A corrupção é um obstáculo ao desenvolvimento por, no mínimo, três grandes razões. A primeira é que ela reduz a capacidade do Estado de fornecer bens e serviços de qualidade. A segunda é que compromete a produtividade e o crescimento das economias. Segundo Fajardo e outros (Fajardo et al., 2019), cerca de 2% do PIB mundial é perdido em subornos. E a terceira é que a corrupção enfraquece a confiança dos cidadãos no governo e nas instituições. Ela também deslegitima os sistemas democráticos. Em termos agregados, há uma correlação negativa entre a percepção de corrupção por parte da população e a confiança no sistema democrático (Fajardo et al., 2019).

O Índice de Percepção da Corrupção de 2023, elaborado pela Transparência Internacional, oferece uma ferramenta quantitativa para comparar a percepção de corrupção na região com a de países selecionados da OCDE. De modo geral, a percepção de corrupção na ALC é significativamente mais negativa do que a média observada nos países da OCDE (ver Gráfico 5.9). No entanto, a região apresenta elevada heterogeneidade. Enquanto países como Uruguai e Barbados exibem índices comparáveis aos de algumas nações europeias, outros, como Honduras, Guatemala, Paraguai e Bolívia, apresentam níveis de percepção de corrupção alarmantemente elevados, mesmo dentro do contexto regional.

Gráfico 5.9 Percepção da corrupção na ALC em relação aos países da OCDE

Nota:  O gráfico considera a percepção da corrupção em cada país analisado, sendo 100 altamente corrupto e 0 indicativo de baixa percepção de corrupção.

Fonte: Elaboração própria com base em Transparencia Internacional (2023).

Pensar de forma integral sobre as capacidades estatais na região requer incluir as capacidades dos governos regionais e locais. Nas décadas de 1980 e 1990, a ALC passou por um intenso processo de descentralização. No entanto, esse processo nem sempre veio acompanhado do desenvolvimento adequado de capacidades. Além disso, coexistem na região diferentes níveis de autonomia. Ainda que atividades relacionadas à gestão ambiental, urbana e rural sejam, em geral, de responsabilidade dos governos regionais e locais, funções mais complexas, como a oferta de serviços de saúde ou de educação, costumam apresentar maior heterogeneidade quanto à divisão de competências entre os níveis central e subnacional.

As capacidades dos governos locais e regionais exercem influência significativa sobre os níveis de produtividade local, o bem-estar da população e a implementação de estratégias de adaptação diante de desafios globais como a mudança climática. O desempenho dos governos subnacionais é essencial para o alcance dos ODS e para a redução das desigualdades sociais e econômicas. Sua capacidade de gerir recursos, articular atores e adaptar estratégias às realidades locais é decisiva para assegurar que os ODS se traduzam em avanços concretos e mensuráveis.

Avançar na agenda de capacidades estatais na ALC exige, portanto, priorizar o fortalecimento institucional. Isso requer investimentos na modernização das estruturas da administração pública, garantindo que os órgãos do Estado disponham de recursos adequados e de pessoal devidamente qualificado. 

Um aspecto central é a profissionalização do serviço público. A implementação de sistemas meritocráticos no recrutamento, promoção e avaliação de funcionários permitiria reduzir a ineficiência e a corrupção (Sanguinetti et al., 2015). A profissionalização do serviço público também proporciona estabilidade ao servidor e lhe oferece uma perspectiva de carreira desvinculada dos ciclos eleitorais. No caso dos burocratas, promover a seleção de funcionários capacitados, motivados e íntegros pode gerar um efeito multiplicador: um Estado íntegro atrairá esse mesmo perfil de profissionais (Fajardo et al., 2019). Um estudo recente sobre o Brasil destaca que a eleição de gestores jovens está correlacionada a maiores investimentos em políticas de longo prazo, como a redução do desmatamento e das emissões de GEE, sem que isso implique penalidades salariais (Dahis et al., 2024). No caso de cargos políticos, é fundamental trabalhar sobre os sistemas eleitorais e a regulação do financiamento dos partidos e das campanhas. Materializar essa agenda exige reduzir a distância entre os marcos regulatórios e sua aplicação, sendo essencial fortalecer a capacidade de supervisão dos tribunais eleitorais e de outros órgãos de controle, ampliar a severidade e o alcance das sanções, e promover a transparência e o controle social (Fajardo et al., 2019).

Além de garantir critérios de seleção transparentes, também são necessários incentivos que permitam desenvolver o potencial dos servidores. Nessa direção, Fajardo e outros (Fajardo et al., 2019) propõem o fortalecimento do desenvolvimento profissional, a flexibilização da estrutura salarial e um vínculo mais direto entre remuneração, trajetória funcional, competências, habilidades e esforço dos trabalhadores. 

Outro aspecto crucial é a digitalização do Estado. O uso de ferramentas digitais pode melhorar substancialmente a eficiência e a transparência da gestão pública, ao facilitar a interação entre cidadãos e governo, otimizar a prestação de serviços e reduzir as oportunidades de práticas corruptas (OCDE-CAF, 2024). Contudo, para que essas ferramentas sejam eficazes, é necessário desenvolver uma infraestrutura tecnológica adequada e garantir que tanto os servidores quanto os cidadãos disponham das competências digitais necessárias para seu uso.

A digitalização do Estado pode facilitar a implementação e o uso de sistemas de controle internos e externos que contribuam para aprimorar a gestão pública (Fajardo et al., 2019). Por um lado, porque a digitalização pode reduzir a margem de discricionariedade ao padronizar processos e diminuir assimetrias de poder entre servidores e cidadãos, além de permitir auditorias mais rápidas e rastreáveis para detectar e sancionar irregularidades. Por outro lado, porque os mecanismos de controle externo, como a participação cidadã, podem ser potencializados por uma maior capacidade de gerar e disseminar informação com base em sistemas digitais.

Um quarto ponto-chave, vinculado ao anterior, envolve fortalecer a capacidade do Estado de gerar, gerenciar e analisar dados em tempo real. Isso permite uma formulação de políticas mais informada e adaptável, algo especialmente importante em um contexto de rápidas transformações econômicas, sociais e tecnológicas. A criação de mecanismos de monitoramento e avaliação, com indicadores claros e acessíveis, permitirá realizar ajustes nas políticas em andamento e assegurar o alcance dos objetivos estabelecidos.

No que diz respeito aos governos subnacionais, é fundamental aprimorar sua capacidade administrativa e financeira. Frequentemente, esses níveis de governo não contam com os recursos adequados nem com as competências técnicas e/ou jurídicas necessárias para implementar políticas eficazes. Essa limitação pode ser enfrentada por meio de programas de capacitação contínua e assistência técnica específica, além da criação de marcos legais que ampliem sua autonomia fiscal, permitindo gerar receitas próprias para financiar prioridades locais e ampliar sua capacidade de financiamento de forma sustentável.

Há localidades que são, talvez, 10 ou 20 vezes mais ricas do que a região mais pobre do mesmo país. É um drama isso, não é? E esse drama, em grande medida, reflete o fato de que os governos locais também divergem enormemente quanto às suas capacidades. (…) A América Latina está repleta de governos locais (—), de altos níveis de corrupção e desinteresse pelo desenvolvimento local. E, justamente, essa variedade de capacidades públicas dentro dos países, entre suas regiões, é o que causa esses grandes contrastes de desenvolvimento humano dentro de cada país.

Baseado em entrevista com Sebastián Mazzuca

Por último, é importante fomentar a coordenação entre os distintos níveis de governo. Para isso, é necessário desenvolver mecanismos de articulação intergovernamental que facilitem a alinhamento de políticas nacionais e subnacionais. A implementação de plataformas de diálogo e cooperação pode contribuir para que as políticas se adaptem melhor às realidades locais e que os governos subnacionais joguem um papel mais ativo no desenvolvimento econômico e social, promovendo soluções que respondam às necessidades específicas de cada território.

A economia política das reformas 

A implementação de reformas na ALC enfrenta grandes dificuldades devido a uma combinação de fatores políticos, institucionais e sociais (Guizzo Altube et al., 2023). Em primeiro lugar, a fragmentação política é um obstáculo central. Os sistemas políticos na região costumam estar caracterizados pela falta de maiorias claras nos poderes legislativos e por coalizões frágeis. Isso complica o processo de negociação e aprovação de reformas. Esse cenário fragmentado favorece o uso do veto por parte de quem tem interesses particulares em manter o status quo, bloqueando reformas que poderiam beneficiar ao conjunto da sociedade. Além disso, o curto ciclo eleitoral incentiva os políticos a priorizar medidas de curto prazo que gerem benefícios imediatos sobre reformas estruturais de longo prazo que, embora necessárias, podem ser impopulares no momento de su implementação. A instabilidade política que caracteriza a região costuma minar a capacidade de planejamento de longo prazo dos governos.

Existe a necessidade de que os partidos tenham e se comprometam com programas que não sejam o que nós chamamos fisiológicos, o sistema de ‘tomar de aqui para lá’, de tudo a curto prazo, tudo se ganha ou se perde agora, nesta legislatura, e todo o pensamento e energia na próxima eleição.

Baseado em entrevista com Bianor Cavalcanti

Outro desafio importante é a resistência de grupos de interesse que podem ver afetadas suas posições privilegiadas por reformas políticas e administrativas no Estado. Grupos empresariais, sindicatos ou setores burocráticos com poder de influência na tomada de decisões têm incentivos para se opor a reformas que pretendam redistribuir os recursos ou que queiram mudar as regras do jogo econômico (Tommasi et al., 2010). Essas dinâmicas se evidenciam nas dificuldades para avançar em ajustes tributários progressivos ou na formalização do mercado de trabalho, assuntos que costumam enfrentar uma forte oposição organizada. A capacidade desses grupos para mobilizar recursos e exercer pressão política faz com que muitas vezes as pretendidas reformas sejam enfraquecidas ou abandonadas por completo.

Finalmente, os altos níveis de desigualdade social na região geram tensões que dificultam a criação de consensos amplos para avançar em reformas estruturais, posto que estas, quando afetam de maneira diferenciada a distintos grupos socioeconômicos, podem provocar reações sociais adversas, como protestos ou estalos de descontentamento popular. Isso é particularmente evidente nos casos de reformas previdenciárias, ajustes fiscais ou aumentos nos preços de serviços públicos. Esse tipo de tensões se radicaliza ainda mais em torno da agenda de igualdade de direitos.

As reformas destinadas a garantir a equidade de gênero, o reconhecimento legal e a proteção dos direitos das pessoas LGBTQ+, assim como as medidas orientadas a prevenir e erradicar a discriminação com base na identidade de gênero ou na orientação sexual, costumam sofrer forte oposição de setores conservadores da sociedade. Esses tendem a se mobilizar em plataformas que promovem a defesa de valores tradicionais e o conceito de família nuclear, baseado na heterossexualidade e em papéis binários de gênero, limitando o avanço da agenda pendente de inclusão. A capacidade dos Governos de gerenciar essas tensões e articular um diálogo social inclusivo é essencial para superar essas barreiras e tornar as reformas viáveis e sustentáveis.

Álvarez et al. (2020) delineiam ações para promover a implementação de reformas de qualidade, levando em consideração as complexidades do entorno político. O primeiro passo para facilitar reformas eficazes é dispor de informações claras e precisas sobre os custos e projeções futuras, como o envelhecimento populacional. As evidências internacionais sugerem que reformas fundamentadas em uma análise técnica rigorosa, que quantifique os desafios e o custo da inação, são mais bem-sucedidas. No campo das políticas de proteção social, a região registra alguns avanços nessa linha. Muitos países da América Latina, como Chile e Colômbia, já desenvolveram ferramentas como relatórios de passivos contingentes e marcos fiscais de médio prazo para medir e projetar os gastos do sistema previdenciário e de outros componentes do sistema de proteção social. Essas experiências fornecem lições valiosas para a região quanto à importância de ampliar o horizonte fiscal e evitar vieses de curto prazo.

Uma segunda linha de ação proposta por Álvarez et al. (2020) está ancorada na gradualidade das reformas e na consideração de compensações aos potenciais perdedores. Para alcançar a aprovação e implementação bem-sucedida das reformas, é essencial adotar mecanismos graduais de transição. Sob a ótica econômica, mudanças estruturais como reformas previdenciárias exigem uma implementação suave para mitigar desequilíbrios financeiros de curto prazo. Além disso, dissuadir a oposição às reformas passa por proteger aqueles mais afetados no curto prazo. Mecanismos de compensação aos perdedores potenciais podem prevenir que a falta de equidade comprometa a sustentabilidade das reformas ao longo do tempo.