Um pacto global pela sustentabilidade

O aquecimento global e a degradação ambiental já estão impactando o bem- estar humano. Entretanto, o pior ainda pode estar por vir. Com a taxa atual de emissões, restam menos de 30 anos para limitar o aumento da temperatura a 2 °C, um limite considerado pelos cientistas como o ponto sem retorno, a partir do qual há riscos elevados de danos irreversíveis em escala global1.

Esse cenário levou a um amplo consenso global sobre a necessidade de proteger o meio ambiente, com esforços que remontam ao último terço do século passado. A Figura 4.1 apresenta os esforços globais voltados à sustentabilidade ambiental, destacando, de um lado, os principais marcos em acordos internacionais para a proteção ambiental e da biodiversidade e, de outro, os relacionados à resposta às mudanças climáticas.

Figura 4.1 Marcos do pacto global pela sustentabilidade

Cuidado pelo ambiente e ecossistemas
Biodiversidade
Contaminação
Alteração climática
1948
Fundação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
1951
Convenção Internacional de Proteção Vegetal
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
1971
Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
1972
Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Convenção de Londres sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Despejo de Resíduos e Outros Materiais
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
1973
Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
1979
Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias da Fauna Selvagem (Convenção de Bonn)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Convenção sobre Poluição Atmosférica Transfronteiriça de Longo Alcance (CLRTAP ou LRTAT)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
1982
Convenção sobre Resíduos Nucleares
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
1985
Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
1988
Criação do IPCC na Conferência sobre Mudanças Climáticas em Toronto, Canadá
Alteração climática
1989
Convenção de Basileia sobre o Controle e Eliminação Transfronteiriços de Resíduos Perigosos
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
1992
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Convenção sobre a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Fronteiriços e Transfronteiriços
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
Criação da UNFCCC na Conferência da Terra no Rio de Janeiro, Brasil
Alteração climática
1995
Primeira Conferência das Partes (COP1) da UNFCCC
Alteração climática
1997
Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) (rev.)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
Protocolo de Kyoto
Alteração climática
1998
Convenção de Roterdão sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para Certos Produtos Químicos e Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
2001
Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para Alimentação e Agricultura (ITPGRFA)
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
2008
Entra em vigor o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto (2008-2012)
Alteração climática
2009
Acordo de Copenhague (COP15)
Alteração climática
2010
Metas de Biodiversidade de Aichi do Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
2013
Convenção de Minamata sobre Mercúrio
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Contaminação
Entra em vigor o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto (2013-2020)
Alteração climática
2015
Acordo de Paris (COP21)
Alteração climática
2016
Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal
Alteração climática
2018
Encerramento do período de inscrições para as primeiras CDNs
Alteração climática
2022
Estrutura Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal
Cuidado pelo ambiente e ecossistemas • Biodiversidade
Fundo de Perdas e Danos (COP27)
Alteração climática
2030
Objetivo do primeiro ano das NDCs
Alteração climática
2050
Ano-alvo para as metas de emissões líquidas zero e muitas das estratégias de longo prazo
Alteração climática

No que diz respeito às mudanças climáticas, o marco recente mais significativo é o Acordo de Paris, que estabelece como objetivo central «manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2 °C em relação aos níveis pré-industriais e envidar esforços para limitar esse aumento a 1,5 °C» (Nações Unidas, 2015). 

O Acordo de Paris representa um avanço fundamental na construção de uma resposta conjunta à crise climática. Seu maior êxito foi alcançar uma ampla adesão global, com quase todos os países participando e propondo contribuições nacionais. Até novembro de 2024, 195 países haviam aderido ao acordo, dos quais 33 pertenciam à América Latina e ao Caribe. Seu modelo de governança, baseado na definição de compromissos voluntários pelos países, favoreceu sua ampla aceitação. No entanto, também apresenta fragilidades inerentes, como a ausência de uma visão coordenada que assegure a compatibilidade entre os compromissos assumidos e o orçamento de carbono remanescente, além da falta de mecanismos que garantam o cumprimento das metas estabelecidas.

No âmbito do Acordo de Paris, a América Latina e o Caribe se comprometeram a reduzir suas emissões em aproximadamente 11 % até 2030, em comparação com os níveis de 2020. Esse objetivo contempla esforços de mitigação equiparáveis aos das economias desenvolvidas, considerando que a região apresenta um crescimento populacional projetado superior e busca um avanço econômico que permita reduzir a diferença no PIB per capita em relação a essas economias. Especificamente, dado o crescimento demográfico esperado, se o PIB per capita da América Latina e do Caribe crescer a uma taxa anual de 4 %, a região precisaria reduzir as emissões por unidade de PIB em cerca de 5,5 % ao ano. Esse percentual é comparável ao corte necessário na União Europeia, que precisa reduzir suas emissões por unidade de PIB em 5,24 % anuais, considerando um crescimento econômico de 2 %. No entanto, essa redução necessária na América Latina e no Caribe mais do que dobra o declínio observado nessa variável na última década.

É importante destacar que esses compromissos assumidos pelos países representam uma etapa intermediária na busca pela sustentabilidade ambiental. Para interromper completamente o aquecimento global, são necessárias emissões líquidas zero e, para que o pico da temperatura média global permaneça abaixo de 2 °C, essa redução precisa ser acelerada. De acordo com o Net-Zero Tracker da Climate Watch (2024), no momento em que este capítulo foi escrito, 101 países, que juntos representam mais de 80 % das emissões globais, haviam se comprometido com metas de emissões líquidas zero. Desses, 69 estabeleceram o compromisso para 2050, 10 antes de 2050, 16 após 2050 e 6 já alcançaram o status de emissões líquidas zero, com o compromisso de mantê-lo.

No entanto, os compromissos atuais são incompatíveis com as metas do Acordo de Paris. Até o momento, a soma dos compromissos levaria a um aumento da temperatura média global de aproximadamente 2,5 °C, podendo chegar a 3 °C, e a implementação das ações efetivamente adotadas apresenta um cenário ainda mais preocupante (Climate Action Tracker, 2023).

O que temos hoje é um processo diplomático muito ligado às conferências climáticas anuais (…) que possuem um processo, um cronograma e uma velocidade de ação incompatíveis com o desafio. (…) Enfrentamos esse desafio institucional de coordenar a ação dos países, que são relativamente poucos. O G20 representa 80 % do problema, em termos gerais, portanto, trata-se de um grupo relativamente pequeno de países que pode fazer muito.

Baseado em entrevista com Juliano Assunção

A preocupação com a extinção de espécies teve um marco fundamental na criação da União Internacional para a Conservação da Natureza, em 1948. No entanto, as ações ambientais ganharam força após a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em 1972, como parte de um esforço para coordenar iniciativas ambientais em nível internacional e auxiliar os países na implementação de legislações ambientais.

Entre as iniciativas ambientais mais bem-sucedidas, destacam-se as voltadas à redução da poluição do ar. Entre elas, a Convenção de Viena e, dentro dela, o Protocolo de Montreal para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) são considerados alguns dos mais eficazes. O protocolo foi ratificado por 196 países e, desde sua entrada em vigor, tem sido associado a uma eliminação quase total das emissões dos gases contemplados por suas diretrizes.

A criação do PNUMA ocorreu no contexto de uma crescente demanda por qualidade ambiental, o que impulsionou regulamentações para a proteção do meio ambiente em escala nacional, particularmente a exigência de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para a aprovação de projetos produtivos. Os Estados Unidos foram pioneiros nesse aspecto com a aprovação da Lei de Política Ambiental Nacional (1970). No entanto, a exigência de EIA se tornou comum nos países em desenvolvimento a partir da década de 1990, em grande parte impulsionada pela incorporação de salvaguardas ambientais em projetos financiados pelo Banco Mundial (ver Diretriz Operacional 4.01 sobre análise ambiental). Até o momento, os EIAs são um componente central da política ambiental, com mais de 190 países incorporando leis associadas ao uso desse instrumento (Morgan, 2012).

A governança internacional avançou menos na proteção dos ecossistemas e da biodiversidade do que na questão climática. O principal órgão de coordenação, a Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992, tem trabalhado para estabelecer metas de conservação. Desde então, os esforços incluíram as Metas de Aichi, promulgadas em 2010, sendo o marco mais recente o Marco Global da Biodiversidade, assinado na COP de 2022.

Esse marco define quatro objetivos e 23 metas para ações urgentes na década até 2030. Entre elas, destacam-se a restauração eficaz de pelo menos 30 % das áreas de ecossistemas terrestres, de águas interiores, costeiros e marinhos degradados até 2030 (Meta 2) e a conservação e gestão eficaz de pelo menos 30 % das áreas terrestres, de águas interiores, costeiras e marinhas, especialmente as de particular importância para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, por meio de sistemas de áreas protegidas (Meta 3)2.