Redução das emissões causadas pela atividade humana

Perfil de emissões da América Latina e do Caribe

A grande contribuição da América Latina para a descarbonização global está na redução do desmatamento. (…) Precisamos parar de destruir nossa biodiversidade, protegê-la e garantir que o mundo pague por isso (…). Porque um hectare protegido de floresta na América Latina ajudará significativamente a manter uma economia global dinâmica.

Baseado em entrevista com Mauricio Cárdenas

As emissões de GEE são geralmente classificadas em dois grandes grupos. O primeiro, denominado Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra (AFOLU), inclui as emissões resultantes das alterações na cobertura da terra (UTCUTS), bem como as emissões da produção agropecuária, em especial as associadas ao processo digestivo do gado e aos óxidos de nitrogênio provenientes do uso de fertilizantes. O segundo grupo, denominado Consumo de Combustíveis Fósseis e Processos Industriais (CFPI), abrange as emissões associadas ao uso de combustíveis fósseis, além das emissões não energéticas relacionadas a certos processos industriais e à decomposição de resíduos.

Globalmente, quase 80 % das emissões de GEE provêm do CFPI, enquanto pouco mais de 20 % se originam do setor AFOLU. Em contraste, aproximadamente 54 % das emissões da América Latina provêm do setor AFOLU, um percentual significativamente maior do que os 13 % do Caribe ou os 8 % dos países da OCDE1 (ver gráfico 4.5). 

Como esperado, há grandes variações dentro da região na importância relativa dessas fontes de emissões. Por exemplo, na América Latina, há países onde o setor AFOLU responde por mais de 70 % das emissões (Brasil, Nicarágua, Paraguai e Uruguai), enquanto em outros esse percentual é inferior a 30 % (Chile, México, El Salvador).

Dentro do componente AFOLU, observa-se que, na América Latina, o componente UTCUTS tem uma leve predominância sobre o agropecuário (56 % vs. 44 %), mas ambos desempenham um papel significativo. Em contraste, no Caribe e nos países da OCDE, as emissões provêm majoritariamente do setor agropecuário; além disso, o componente UTCUTS apresentou emissões negativas devido a processos como a expansão da área florestal. Por outro lado, o subsetor mais relevante dentro das emissões agropecuárias é a fermentação entérica, associada às emissões de metano (CH₄) decorrentes do processo digestivo do gado bovino, representando quase dois terços das emissões agropecuárias.

No que se refere aos componentes do CFPI, a participação do setor de edificações é relativamente modesta: cerca de 5 % na América Latina, 3 % no Caribe e mais de 10 % na OCDE. No entanto, esse valor considera apenas as emissões diretas pelo uso de combustíveis no setor, embora também existam emissões indiretas associadas à geração da eletricidade consumida2

O consumo de energia nos domicílios da região é comparativamente baixo: 7,12 gigajoules, um valor significativamente inferior ao registrado na China (19,3), nos Estados Unidos (30,6) e na Europa (23,4)) (OLADE, 2021; Escritório Nacional de Estatísticas da China, 2022; EIA, 2020; Eurostat, 2022). Isso se deve, principalmente, aos menores níveis de renda e à reduzida necessidade de aquecimento. No entanto, é fundamental avançar em políticas de mitigação também no setor residencial, uma vez que se projeta um aumento no consumo de energia doméstica à medida que a renda cresce e que a demanda por resfriamento se intensifica devido ao aquecimento global3. A eletrificação do consumo e a eficiência energética são as dimensões-chave para a mitigação nesse setor.

As emissões associadas a outros componentes também são consideráveis. Por exemplo, na América Latina, os sistemas energéticos (incluindo as emissões fugitivas) representam 31 % das emissões; o transporte, 26 %; e as indústrias (incluindo o gerenciamento de resíduos), 38 %. No Caribe, o transporte tem uma participação relativamente menor, de 12 %, enquanto os sistemas energéticos e a indústria respondem por mais de 40 % cada um.

Vale destacar que as emissões provenientes do transporte marítimo e aéreo internacional não estão incluídas no Gráfico 4.5, pois geralmente não são atribuídas a nenhum país. Essas emissões representam, respectivamente, 1,55 % e 1,19 % das emissões globais de GEE. Para contextualizar esse dado, esses dois setores combinados correspondem a quase 40 % das emissões totais da América Latina e do Caribe. Portanto, a mitigação nesse setor é essencial para atingir a meta de emissões líquidas zero.

Gráfico 4.6 Perfil das emissões da América Latina e do Caribe

A. Total de emissões

B. Composição das emissões do setor CFPI

C. Composição das emissões do setor ASOUT

Nota: O gráfico ilustra a participação do AFOLU e do CFPI no total de emissões, detalhando também a contribuição de cada setor dentro dessas duas grandes categorias. Os gases de efeito estufa CO2, CH2, N2O e F-gases são considerados e agregados usando a métrica de CO2 equivalente, com base no GWP-100 do AR5. Os cálculos são referentes ao ano de 2019 (últimos dados disponíveis de Minx, 2021). Os agregados regionais correspondem à soma das emissões de todos os países que compõem a região.

Mitigação nos sistemas energéticos4

Do lado da oferta de energia, o RED 2024 (Allub et al., 2024) destaca quatro ações de mitigação:

Ação #1: Redução das perdas nos sistemas energéticos

Os processos de produção, transformação e transporte de energia estão associados a perdas que amplificam as emissões relacionadas ao consumo, tornando necessário reduzi-las.

No caso da eletricidade, por exemplo, na América Latina e no Caribe, as perdas associadas à geração elétrica baseada em combustíveis fósseis chegam, em média, a 56 %, enquanto na fase de transmissão e distribuição esse valor é de 19 %. Embora nem todas essas perdas sejam atribuídas a ineficiências, as diferenças entre os países indicam oportunidades para melhorias; por exemplo, nos Estados Unidos, as perdas na transmissão e distribuição representam apenas 5 % (EIA, 2022). Problemas na qualidade da infraestrutura de geração, transmissão e distribuição podem ser responsáveis por perdas excessivas e podem ser corrigidos.

Com relação aos combustíveis fósseis, também são identificadas perdas significativas. Para um conjunto de 10 países analisados, a cada 100 toneladas de CO₂ equivalente (tCO₂e) emitidas no momento do consumo de combustíveis fósseis, mais de 29 tCO₂e foram liberadas previamente durante sua produção e transporte. A maior parte dessas emissões foi de metano proveniente do venteio ou da queima de gás natural não aproveitado, além de vazamentos nos processos de produção, transformação e transporte (ver Gráfico 4.7).

Gráfico 4.7 Emissões da produção e do transporte de combustíveis fósseis em relação ao total de emissões do consumo final

Nota: O gráfico apresenta as emissões do setor de combustíveis fósseis provenientes do uso de energia (emissões indiretas) e as emissões fugitivas de metano liberadas durante a produção, transporte, refino e distribuição de carvão, gás, petróleo e derivados. Esses valores são expressos como percentual das emissões geradas pelo consumo final dos combustíveis produzidos. As emissões por uso de energia são calculadas utilizando os fatores de emissão correspondentes a cada combustível. O consumo total inclui tanto o consumo doméstico quanto o externo. O gráfico exibe os países para os quais há dados homogêneos sobre emissões de metano.

Essas emissões anteriores ao consumo podem ser reduzidas com o uso de equipamentos mais eficientes e com a eletrificação de determinados processos5. O descarte adequado de campos de petróleo e gás, bem como de minas de carvão, também é fundamental para reduzir as emissões de metano.

Ação #2: O gás natural como combustível de transição

O gás natural é o hidrocarboneto com as menores emissões de CO₂ por unidade de energia fornecida. Por exemplo, durante a combustão, emite menos de 60 % das emissões que seriam geradas pela produção da mesma quantidade de energia a partir do carvão mineral. No entanto, o gás natural está associado a emissões significativas durante sua produção e transporte, devido a vazamentos—um fator crítico para a mitigação das emissões na região. Ainda, assim, mesmo considerando as emissões fugitivas atuais, a substituição do carvão pelo gás natural pode reduzir as emissões em aproximadamente 20 %. 

Para contextualizar esse impacto, se 50 % do uso de carvão e de combustíveis derivados do petróleo na América Latina e no Caribe fosse substituído por gás natural, mantendo os processos produtivos atuais, a redução direta de emissões seria equivalente a 7 % das emissões atuais—o que representa quase 65 % dos compromissos estabelecidos para 2030.

Um dos desafios da ampliação do uso do gás natural é o risco de que investimentos em sua produção, transporte e consumo retardem a transição para a neutralidade de carbono. Uma estratégia para minimizar esse risco é considerar a adaptação dos equipamentos para o uso de gás natural como uma etapa intermediária dentro de um plano de descarbonização.

As duas ações destacadas até agora visam reduzir emissões em cenários onde a dependência de fontes fósseis ainda é predominante. No entanto, o caminho para uma descarbonização mais ampla e, em particular, para alcançar emissões líquidas zero, se sustenta em dois pilares: a eletrificação verde e a expansão do uso de combustíveis limpos.

Para os países que possuem gás natural, o fundamental é que isso nos dê tempo enquanto avançamos na eletrificação. É um combustível fóssil de transição, mas torna essa transição mais suave, menos onerosa e, acima de tudo, permite que a economia se ajuste.

Baseado em entrevista com Mauricio Cárdenas

Ação #3: Eletrificação verde

Segundo os dados mais recentes (2022), a eletricidade responde por aproximadamente 20 % do consumo energético na América Latina e no Caribe. Essa taxa de eletrificação é ligeiramente inferior à dos países da OCDE (aproximadamente 23 %) e apresenta variações significativas entre os países da região (ver Gráfico 4.8.A). A matriz elétrica da América Latina é relativamente sustentável: 61 % da eletricidade gerada provém de fontes renováveis, uma participação superior à média global de 36,5 %. No entanto, as fontes renováveis não convencionais (solar/eólica) representam apenas 12,5 % da geração elétrica da região, um valor semelhante à média global (11,7 %). Isso indica que a vantagem da América Latina na geração de eletricidade não fóssil decorre, principalmente, do aproveitamento dos recursos hídricos (ver Gráfico 4.8.B).

Gráfico 4.8 Taxa de eletrificação e participação de renováveis na matriz elétrica

A. Taxa de eletrificação por país

B. Geração não combustível e ERNC

Nota: Todos os valores correspondem ao ano de 2022. Para os dados agregados globais e da OCDE, foram consideradas tanto as fontes de consumo de eletricidade quanto as de energia eólica e solar, conforme a base de dados da AIE. As fontes renováveis não convencionais englobam a energia solar e a eólica. As demais fontes não combustíveis incluem energia nuclear, hidrelétrica e geotérmica.

A transição energética exige um aumento expressivo na taxa de eletrificação, impulsionado principalmente pela expansão das fontes renováveis não convencionais. De acordo com a AIE, no cenário baseado nos compromissos assumidos, a capacidade de geração elétrica deve crescer de 520 GW em 2022 para 1.857 GW em 2050, elevando a taxa de eletrificação de 20 % para 40 %. Nesse cenário, a capacidade de geração das fontes de energia renováveis não convencionais (ERNC, doravante) deve se multiplicar por mais de 13 vezes, passando a representar aproximadamente 63 % da geração elétrica total (ver Gráfico 4.9).

Gráfico 4.9 Eletrificação verde na América Latina e no Caribe (ALyC)

Nota: O gráfico apresenta a composição da capacidade elétrica atual e as projeções conforme os cenários de políticas vigentes e os compromissos estabelecidos pela AIE. A categoria “outros” inclui bioenergia, energia geotérmica, energia marinha, hidrogênio e amônia.

Fonte: AIE (2023c).

A eletrificação verde apresenta desafios. O primeiro está relacionado à intermitência das fontes solar e eólica, o que torna indispensáveis mecanismos de suporte, como usinas hidrelétricas, centrais térmicas (por exemplo, gás natural de ciclo aberto ou combustíveis limpos) e sistemas de armazenamento por baterias. No cenário dos compromissos assumidos, estima-se que, até 2050, o sistema de baterias tenha uma capacidade de 137 GW, o equivalente a 44 % da capacidade hidrelétrica projetada para o mesmo período. Além disso, a integração energética entre sistemas nacionais e internacionais pode ajudar a mitigar os desafios da intermitência.

Um segundo desafio decorre da estrutura de custos das ERNC, caracterizada por altos investimentos iniciais, mas custos de geração próximos de zero durante a operação. Esse modelo de custo, bastante distinto das fontes de geração baseadas em combustíveis fósseis, exige mudanças regulatórias no modelo de remuneração dos geradores de eletricidade. Adicionalmente, especialistas apontam a necessidade de ajustes na estrutura tarifária aplicada aos consumidores diante da adoção em larga escala da geração solar residencial. Modelos tarifários baseados em cobranças fixas e diferenciadas por horário de consumo estão entre as recomendações para integrar as ERNC ao sistema energético.

Um terceiro desafio está relacionado à transmissão e distribuição de energia. A rede de transmissão da região possui aproximadamente 20 km para cada 10.000 habitantes e, no cenário de emissões líquidas zero (CEN), será necessário mais que dobrar essa extensão até 2050, acompanhando o aumento esperado no consumo de eletricidade. Essa expansão implica desafios financeiros, além de questões relacionadas à obtenção de permissões e concessões de uso da terra. Além disso, a incorporação das ERNC pode demandar mudanças nas redes de transmissão e distribuição, devido à maior diversificação e dispersão das fontes de geração e à expansão dos painéis solares residenciais.

Ação #4: Expansão de combustíveis com baixa emissão de carbono

Mesmo no cenário de emissões líquidas zero, mais de 50 % do consumo de energia dependerá de combustíveis. Isso se deve à existência de setores de difícil eletrificação e à necessidade de sistemas de suporte para lidar com a intermitência da geração elétrica a partir das ERNC. Há duas principais alternativas para substituir os combustíveis fósseis por opções limpas: os combustíveis de origem agropecuária e o hidrogênio e seus derivados6.

Os combustíveis agropecuários (como biodiesel e etanol) apresentam desafios relacionados ao uso da terra e ao emprego de insumos agrícolas, como fertilizantes, herbicidas e inseticidas. Isso resulta, por um lado, em emissões de GEE devido à expansão da área cultivada, que impulsiona o desmatamento e aumenta o impacto dos insumos agrícolas na pegada de carbono. Por outro lado, essa produção pode elevar o preço dos alimentos, ao competir com a oferta destinada ao consumo humano. Algumas estratégias podem reduzir esses desafios, como o aumento da produtividade agrícola, o uso de cultivos não alimentares, o aproveitamento de resíduos florestais, agropecuários ou sólidos urbanos, bem como a produção em áreas degradadas não adequadas para a agricultura.

O desenvolvimento dos combustíveis agropecuários exige a implementação de marcos regulatórios que definam diretrizes para uma produção sustentável, incluindo certificações independentes de gestão ambiental que abranjam toda a cadeia produtiva e de suprimentos. Além disso, a adoção de políticas que incentivem o consumo desses combustíveis é essencial7. Outro aspecto fundamental envolve políticas que fomentem a inovação, especialmente no desenvolvimento de combustíveis derivados de resíduos, como biomassa de madeira e papel. Uma das medidas mais relevantes nessa linha é a implementação de cotas obrigatórias para o uso de biocombustíveis avançados.

Com relação à segunda alternativa, o hidrogênio pode ser utilizado principalmente de forma direta (hidrogênio molecular) ou na forma de amônia. Para que desempenhe um papel efetivo na descarbonização, sua produção deve ocorrer com emissões baixas ou nulas. As alternativas para sua produção são: 1) Produção baseada em gás natural com integração da captura e armazenamento de carbono no processo produtivo. 2) Produção de hidrogênio por eletrólise da água, utilizando eletricidade gerada a partir de fontes renováveis ou limpas. 3) Uso de insumos provenientes de fontes orgânicas sustentáveis, incorporando a captura de carbono. A expansão necessária do hidrogênio limpo requer a redução dos custos de sua produção e, sobretudo, a superação dos desafios logísticos relacionados ao seu transporte e armazenamento.

Mitigação nos usos de energia

As estratégias de mitigação voltadas aos usuários finais incluem a promoção da eficiência energética, a adoção de práticas mais sustentáveis, a eletrificação dos usos sempre que viável e a substituição por combustíveis limpos onde a eletrificação não for possível. As ações concretas variam conforme o setor.

Indústrias de difícil descarbonização

Três setores são responsáveis por quase 60 % das emissões de toda a indústria da região: cimento, aço e produtos químicos. Esses segmentos desempenham um papel essencial no desenvolvimento econômico da América Latina e do Caribe, mas são particularmente difíceis de descarbonizar devido à natureza de seus processos produtivos, que frequentemente exigem grandes quantidades de calor ou insumos com alto impacto em emissões. As principais políticas de descarbonização para esses setores estão apresentadas na Tabela 4.2.

Cuadro 4.2 Políticas de mitigação em três setores de difícil descarbonização

CimentoAçoQuímicos
Utilização de fornos mais modernos.Promoção da indústria do hidrogênio verde e fomento de polos industriais em áreas próximas para viabilizar a produção de aço.Promoção da indústria
do hidrogênio verde e fomento de
polos industriais em
áreas próximas para viabilizar a produção de produtos químicos.
Adoção de normas técnicas sobre a composição e o desempenho do cimento para reduzir o teor de clínquer.Financiamento para modernização de fornos e outras melhorias tecnológicas.Captura de carbono (tecnologia madura para amônia).
Uso de biomassa como combustível e cinzas de biomassa como substituto do clínquer.Economia circular e recuperação de sucata.Eletrificação de certos processos
(produção de pellets plásticos).
Economia circular e reciclagem de concreto.Circularidade e reciclagem de plásticos, incluindo
regulamentação e tributação de plásticos de uso único.

De forma geral, elas se agrupam em três categorias: 

(1) Uso de combustíveis limpos, como o hidrogênio verde na indústria siderúrgica

(2) Modernização de equipamentos, como a atualização de fornos na indústria cimenteira8.

(3) Transformação de processos, incluindo a redução do teor de clínquer na produção de cimento, a adoção de tecnologias de captura e armazenamento de carbono na indústria química e o uso de sucata e fornos elétricos na fabricação de aço9

No contexto das estratégias de redução de emissões em processos industriais, destaca-se também a gestão de resíduos, que representa 15 % e 12 % das emissões de CFPI na América Latina e no Caribe, respectivamente, enquanto nos países da OCDE essa taxa é de apenas 3 %. A adoção de princípios da economia circular poderia contribuir significativamente para a redução dessas emissões, ao incentivar a reutilização de materiais que atualmente são tratados como resíduos. 

Setor de transporte

Nos países da América Latina e do Caribe, o transporte terrestre representa quase 90 % das emissões do setor, distribuídas aproximadamente de forma equilibrada entre automóveis particulares, veículos de carga e ônibus. Assim como no setor industrial, as estratégias de mitigação variam conforme o modo e o tipo de veículo.

No caso do transporte de carga pesada, as opções de eletrificação ainda são limitadas. As estratégias se concentram, primeiramente, na adoção de combustíveis menos poluentes, como biocombustíveis avançados ou, como alternativa de transição, gás natural. Em segundo lugar, busca-se promover a eficiência logística no gerenciamento de cargas, reduzindo a frequência de viagens com pouca carga. O transporte ferroviário de carga pode ser uma alternativa viável de mitigação, desde que a escala de carga justifique o investimento. Esse modal consome, em média, apenas 15 % da energia utilizada no transporte rodoviário de cargas (Gross, 2020). No entanto, a infraestrutura ferroviária é onerosa, tornando-se economicamente viável apenas quando uma rota apresenta um volume de carga suficientemente elevado. Para a logística urbana, que geralmente envolve cargas leves, a eletrificação se mostra uma opção econômica e viável.

Em relação ao transporte urbano de passageiros, a primeira estratégia é ampliar o uso do transporte público e aumentar sua taxa de eletrificação, por exemplo, com a introdução de ônibus elétricos e, onde for eficiente, metrôs. Além disso, a promoção de formas de mobilidade ativa, como caminhar ou utilizar bicicletas, é fundamental para ampliar a capilaridade do sistema de transporte público. Isso exige adaptações na infraestrutura das cidades, especialmente naquelas planejadas para priorizar o transporte individual. A adoção de veículos elétricos individuais representa uma alternativa de menor emissão em comparação com motores de combustão interna. Entretanto, sua difusão ainda é limitada pelos altos custos e pela infraestrutura de recarga insuficiente nas cidades.

No caso do transporte marítimo e aéreo internacional, dado que todos os países compartilham a responsabilidade pelas emissões desses setores, as principais entidades reguladoras para impulsionar a mitigação são a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) e a Organização Marítima Internacional (OMI). A OMI avançou na implementação de uma estratégia baseada em dois pilares principais: padrões de emissões de combustíveis e eficiência energética (MEPC, 2023). A OACI, por sua vez, adotou em 2022 uma estratégia global aspiracional para alcançar emissões líquidas zero (OACI, 2022). 

As ações de mitigação nesse setor incluem a eficiência energética, mas especialmente a promoção de combustíveis sustentáveis que hoje representam uma fração muito baixa do consumo do setor. De acordo com o cenário CEN da Agência Internacional de Energia, espera-se que esses combustíveis cubram mais de 80 % das necessidades do setor até 2050.

Residencial

As intervenções para melhorar a eficiência e promover a economia no consumo de eletricidade no setor residencial podem ser agrupadas em três categorias: (1) melhoria da eficiência de eletrodomésticos e edifícios por meio de subsídios ou padrões obrigatórios; (2) fornecimento de informações e educação tanto para a adoção de novos aparelhos mais eficientes quanto para o uso dos existentes; e (3) modificação do nível e da estrutura dos preços da energia.

Para os domicílios, além dessas ações de mitigação, é necessário fechar as lacunas restantes no acesso à energia de qualidade e garantir a acessibilidade econômica (consulte o Quadro 4.1).

Quadro 4.1 Acesso e acessibilidade de energia de qualidade

Acesso à eletricidade. Nos últimos 20 anos, a região conseguiu aumentar a fração de domicílios com acesso à eletricidade em mais de 10 pontos percentuais (de 86,5 %). Entretanto, em alguns países da região, mais de 10 % dos domicílios rurais ainda não têm conexão elétrica (Gráfico 1). A NCRE oferece uma oportunidade de fechar essas lacunas de acesso à eletricidade em áreas remotas devido à possibilidade de geração distribuída; geração em escala reduzida próxima ao ponto de consumo.

Figura 4.2 Evolução da proporção de domicílios conectados ao serviço nos últimos 20 anos

Nota: O Gráfico mostra a porcentagem de domicílios com acesso ao serviço de eletricidade em 19 países e a média da ALyC. A Figura 4.2.A amostra a evolução desse indicador entre o período atual (2014-2021) e o início do século (2000-2005), enquanto a Figura 4.2.B apresenta os dados atuais por área. A variável foi construída a partir de pesquisas domiciliares nacionais.

Conexões informais. Nas zonas urbanas, embora o acesso seja quase universal na maioria dos países, o desafio das conexões informais é relevante. A informalidade acarreta riscos à saúde e deficiências na qualidade da conexão, tanto em termos de continuidade do fornecimento quanto de energia. Por outro lado, a ausência de um medidor implica a perda do papel regulador que os preços têm no consumo de eletricidade, além de acarretar possíveis problemas de receita para as empresas de distribuição..

Uso excessivo de lenha. A região também conseguiu reduzir a dependência de combustíveis particularmente prejudiciais à saúde, como a lenha. Embora tenha diminuído o consumo residencial em todos os países, ainda é a Fonte mais relevante nos países de baixa renda da região – Guatemala, Haiti, Honduras e Nicarágua – mas também em alguns países de renda mais alta, como Chile, onde é usada para aquecimento, e Colômbia, Paraguai e Peru, onde é usada principalmente para cozinhar. Para reduzir a dependência da lenha, a migração para o sistema elétrico é a solução ideal, mas isso exige redes de transmissão e distribuição que, em algumas áreas rurais de certos países, nem sempre estão presentes. A opção pelo gás natural enfrenta um problema semelhante. O gás liquefeito de petróleo (GLP), embora não seja a alternativa ambientalmente ideal, é muito mais fácil de distribuir e pode ser considerado uma solução de transição até que o acesso à eletricidade seja ampliado.

Acessibilidade econômica. A energia representa uma parcela significativa do orçamento das famílias, especialmente das mais pobres. Em média, os domicílios destinam 6 % de seu orçamento ao consumo de energia, predominantemente à eletricidade, chegando a ultrapassar 10 % entre as famílias mais pobres em alguns países. De acordo com a edição de 2018 da pesquisa Latinobarómetro (2018), considerando a média simples de 18 países, 54 % dos entrevistados afirmaram ter enfrentado dificuldades para pagar a conta de eletricidade em algum momento. Essa realidade pode representar um desafio para a retirada de subsídios significativos à eletricidade em diversos países da região.

Mitigação no uso da terra e na agricultura

Para as emissões associadas à mudança no uso da terra e à agricultura, o relatório RED 2023 (Brassiolo et al., 2023) destaca as seguintes ações de mitigação:

Ação #1: Interromper a mudança no uso da terra em ecossistemas com alto teor de carbono

De acordo com a composição setorial das emissões, a principal estratégia de mitigação nesse setor é interromper a conversão do uso da terra. Isso significa frear a expansão da fronteira agrícola, sobretudo em ecossistemas ricos em carbono, como florestas tropicais, zonas úmidas de água doce

e manguezais. Para atingir esse objetivo, foram implementados diversos instrumentos com sucesso moderado, incluindo a criação de áreas protegidas, leis contra o desmatamento e regulações sobre cadeias de suprimentos. No entanto, a efetividade dessas políticas é comprometida pela falta de capacidade operacional para sua implementação. Por exemplo, estima-se que mais de 96 % do desmatamento na região amazônica ocorra de forma ilegal. Essas políticas são abordadas em mais detalhes na seção “Proteção do meio ambiente e dos ecossistemas”.

Ação #2: Melhorar a produtividade agropecuária

Reduzir o desmatamento sem comprometer o crescimento do setor agropecuário exige o aumento da produtividade agrícola. Com base em dados geográficos detalhados sobre o potencial produtivo de cada área, Adamopoulos e Restuccia (2022) concluíram que a adoção das melhores práticas e tecnologias existentes, aliada a uma escolha mais adequada de cultivos de acordo com as características da terra, poderia multiplicar por cinco a produção por hectare em países de baixa renda. Para isso, é fundamental a participação de institutos públicos de pesquisa e transferência de tecnologia.

O avanço tecnológico apresenta grandes oportunidades para o setor agropecuário, especialmente em duas áreas: a agricultura de precisão e a melhoria genética de cultivos e da produção animal. A primeira, viabilizada pelo uso de veículos autônomos e pelo processamento automatizado de imagens para o monitoramento de lavouras, reduz a necessidade de insumos e, consequentemente, a poluição. A segunda possibilita maior resiliência às pragas e às variações climáticas.

Os ganhos de produtividade no setor agrícola contribuem para a mitigação das emissões de duas formas: (i) reduzindo o uso de insumos, especialmente aqueles com alta pegada de carbono devido à sua fabricação ou aplicação; e (ii) diminuindo a área necessária por unidade de produção.

Entretanto, aumentar a produtividade agropecuária não garante, por si só, a contenção da expansão da fronteira agrícola, pois pode estimular a intensificação do uso da terra para produção. Evitar essa expansão sobre ecossistemas com alta densidade de carbono exige a implementação de medidas complementares.

Ação #3: Fortalecimento dos cadastros e proteção dos direitos de propriedade

O desmatamento e a conversão do uso do solo na região são agravados pela falta de clareza nos direitos de propriedade da terra. Na Amazônia brasileira, por exemplo, há evidências de que a apropriação ilegal de terras públicas por

produtores privados e sua posterior regularização pelo Estado estão diretamente associadas ao desmatamento. Isso ocorre porque o cercamento e o uso produtivo contínuo da terra – que frequentemente resultam no desmatamento – são critérios adotados nos processos de regularização fundiária (Carrero et al., 2022). A fragilidade na aplicação dos direitos de propriedade permite essas apropriações sem custos ou, em alguns casos, até mesmo com incentivos financeiros, recompensando indiretamente as emissões associadas à conversão do solo. Diante desse cenário, torna-se essencial fortalecer os mecanismos de regularização fundiária, aprimorar os cadastros e garantir a implementação eficiente dos marcos legais para assegurar o respeito aos direitos de propriedade. Isso inclui a adoção de instrumentos ágeis para coibir apropriações e explorações ilegítimas, especialmente em terras públicas.

Ação #4: Melhores práticas agrícolas para a gestão do carbono nos solos, emissões do gado e resíduos agropecuários

Nas regiões destinadas à produção agrícola e ao pastoreio, os solos possuem um alto potencial de armazenamento de carbono.

Algumas práticas que permitem aumentar o carbono em terras agrícolas incluem o uso de variedades melhoradas, a rotação de culturas e a adoção de culturas de cobertura entre os ciclos de plantio. Em terras de pastagem, destacam-se

a gestão adequada da densidade de animais por hectare, a diversificação das espécies forrageiras e a prevenção de incêndios. O sequestro de carbono nos solos por meio de práticas agrícolas aprimoradas é considerado uma alternativa de alto potencial e baixo custo, embora dependa de sistemas eficientes de monitoramento e verificação para sua ampla adoção (IPCC, 2022a).

Duas ferramentas transversais: precificação do carbono e tecnologias de captura

Mercados de carbono e imposto sobre o carbono

As emissões de GEE geram uma externalidade negativa em nível global. Os emissores não consideram todos os custos que essas emissões impõem à sociedade, resultando em níveis ineficientemente altos de poluição. Os impostos sobre o carbono e os mercados de carbono são mecanismos criados para corrigir essa distorção.

No caso dos impostos sobre o carbono, o governo estabelece um preço para cada unidade de CO₂ equivalente emitida, que deve ser pago pelo emissor. A imposição desse custo desestimula as emissões de GEE e, ao mesmo tempo, gera receitas fiscais que podem financiar projetos essenciais para a transição verde.

Já os mercados de carbono funcionam como sistemas comerciais em que créditos de carbono são negociados. Diferentes agentes econômicos, como empresas e indivíduos, podem compensar suas emissões adquirindo créditos de carbono emitidos pelo governo ou ofertados por entidades que eliminam ou reduzem as emissões de GEE. Esses mercados podem ser classificados em dois tipos: (i) Regulados, nos quais empresas e instituições compram créditos para cumprir regulamentações nacionais ou internacionais; e (ii) Voluntários, onde os créditos são adquiridos de forma opcional (PNUD, 2022)10

Existem diversas formas de alocação dessas permissões de emissão. Por exemplo, elas podem ser distribuídas às empresas com base nos seus níveis históricos de emissões ou concedidas por meio de leilões, gerando receitas adicionais. Após a distribuição inicial, essas licenças podem ser comercializadas entre empresas ou países, permitindo que emissores que poluíram menos do que o previsto vendam seu excedente para outros agentes, incentivando a mitigação.

Uma das vantagens dos mercados de carbono é que seu preço é determinado pela oferta e demanda, ao passo que os impostos sobre o carbono exigem processos administrativos para reajustar seus valores. Isso confere aos mercados de carbono maior flexibilidade para se adaptar às condições econômicas específicas, mas, ao mesmo tempo, torna o preço mais volátil. Em nível de cooperação internacional, a implementação de impostos sobre o carbono demandaria a padronização global do preço por tonelada de CO₂ equivalente ou a adoção de mecanismos de ajuste na fronteira para evitar o chamado vazamento de carbono – fenômeno em que empresas transferem suas operações para países com regulamentações ambientais mais brandas para evitar custos adicionais.

Se há algo que sabemos em economia, é que o preço do carbono deve ser o mesmo em todo o mundo, porque uma emissão de partículas na China é equivalente a uma emissão de partículas no Brasil (…). Quando estivermos realmente comprometidos com a agenda climática (…) precisaremos ter esses mercados integrados. Portanto, não creio que possamos fazer do carbono uma peça fundamental da agenda de mitigação enquanto esses mercados permanecerem segmentados. (…) Precisamos de um mercado com a participação do governo, que seja regulado e que permita essa integração entre os diferentes países.

Baseado em entrevista com Juliano Assunção

Captura, uso e armazenamento de carbono (CUAC)

Mesmo em cenários de emissões líquidas zero, os combustíveis fósseis não desaparecerão, pelo menos até a metade do século XXI. Esse fato destaca a necessidade de avançar no desenvolvimento de tecnologias de captura, uso e armazenamento de carbono para eliminar as emissões associadas aos combustíveis fósseis remanescentes. Os incentivos para a adoção dessas tecnologias serão condicionados pelo custo atribuído às emissões de GEE. Existe um processo natural de captura, uso e armazenamento de carbono (CUAC), que ocorre por meio da recuperação de florestas ou vegetação ao eliminar as atividades produtivas nos solos. Há também tecnologias com diferentes graus de desenvolvimento que podem integrar o conjunto de estratégias de mitigação11. Na fase de captura, há dois tipos principais de tecnologia: aquelas que capturam emissões diretamente no ponto de emissão (um local físico, como uma fábrica ou usina termelétrica) e aquelas que removem carbono do ar (conhecidas como captura direta do ar). As aplicações mais desenvolvidas do primeiro tipo estão nos setores de energia e industrial. Já a captura direta do ar é mais cara, pois consome mais energia.

A CUAC permite recuperar parte do valor dos ativos energéticos em risco de abandono nos processos de transição, pois seu impacto climático seria reduzido (Clark e Herzog, 2014; IPCC, 2005). Para que essas tecnologias sejam economicamente viáveis, os investidores precisam reconhecer seu valor de mercado e perceber que ele reflete os custos ambientais futuros.

Notas al pie

  1. Os dados referem-se ao ano de 2019; informações mais recentes podem ser encontradas na base de dados de emissões de Minx et al. (2021).
  2. Quarenta por cento da eletricidade é consumida pela indústria, 33 % pelos domicílios e 20 % pelo setor comercial.
  3. Espera-se que a posse de aparelhos de ar-condicionado na região aumente quase 20 pontos percentuais até 2050, impulsionada pela evolução prevista das temperaturas e da renda, o que resultaria em um crescimento de 13 % no consumo total de eletricidade residencial (Allub et al., 2024).
  4. Esta seção baseia-se no RED 2024 (Allub et al., 2024).
  5. De acordo com a AIE (2023a), o uso de equipamentos mais eficientes poderia reduzir em cerca de 30 % a energia necessária, com diminuições proporcionais nas emissões. Entretanto, a eletrificação de todos os processos viáveis permitiria reduções ainda maiores, próximas a três quartos das emissões geradas atualmente na produção de combustíveis.
  6. Na combustão, os combustíveis de origem agropecuária geram emissões de CO2, mas o carbono emitido já havia sido previamente removido da atmosfera por meio da fotossíntese. O hidrogênio, por sua vez, não emite CO2 no momento do uso e, dependendo do processo de produção, pode ser obtido com emissões reduzidas ou nulas.
  7. A Argentina, por exemplo, adota um percentual mínimo obrigatório de 12 % de etanol na gasolina e 5 % de biodiesel no diesel. O Brasil, além da adoção de cotas mínimas, permite a venda direta de etanol ao consumidor final e o desenvolvimento de veículos flex-fuel, equipados com motores de combustão interna que operam tanto com gasolina quanto com álcool.
  8. No setor cimenteiro, os fornos rotativos equipados com pré-calcinadores e pré- aquecedores de suspensão representam a solução mais eficiente para a mitigação das emissões. Na América Latina e no Caribe, apenas 65 % das usinas utilizam esse tipo de forno e apresentam uma idade média de 29 anos, superior à média mundial de 18 anos, o que indica que ainda há espaço para modernização e ganhos de eficiência.
  9. A rota secundária de produção de aço utiliza sucata como principal insumo e emprega um forno elétrico a arco, cuja principal fonte de energia é a eletricidade, em vez do carvão. Esse método emite significativamente menos GEE do que a produção baseada em minério de ferro e fornos alimentados por combustíveis fósseis. No entanto, a expansão desse método é limitada pela disponibilidade de sucata.
  10. No primeiro caso, o Estado aloca o estoque de licenças de emissão de acordo com suas metas de mitigação, enquanto no caso voluntário, a oferta vem de agentes privados ou governos que desenvolvem projetos de redução ou eliminação de carbono, que são os fornecedores dos créditos, e a demanda vem de agentes privados que desejam reduzir sua pegada de carbono.
  11. Além dos processos naturais (como reflorestamento) e artificiais de captura de carbono, há outras opções intermediárias, incluindo intemperismo aprimorado (estimulação do processo de degradação de rochas e liberação de cátions para melhorar a captura de CO2), melhores práticas para captura de CO2 no solo (mudanças no uso da terra que aumentam a absorção de gases) e fertilização oceânica (para estimular a captura de CO2). Para mais detalhes, consulte Terlouw et al. (2021).