A macroeconomia da transição verde

A transição verde impactará as economias da região para além dos aspectos estritamente relacionados à sustentabilidade. Por um lado, ela pode influenciar os balanços externos, a formação de preços, a estabilidade do sistema financeiro e, especialmente, as finanças públicas. Por outro, pode favorecer uma transformação estrutural com implicações para o mercado de trabalho e o desenvolvimento produtivo.

No que diz respeito ao balanço externo, embora a maioria dos países da América Latina e do Caribe seja importadora líquida de energia, alguns, como Colômbia, Bolívia, Trinidad e Tobago, Equador e Venezuela, são grandes produtores de hidrocarbonetos. Nesses casos, suas exportações líquidas de produtos energéticos representam mais de 20 % do total das exportações, o que significa que a descarbonização da economia global pode impactar negativamente suas fontes de receita externa.

A transição verde também pode influenciar os níveis, a estrutura e a volatilidade dos preços. O aumento de eventos climáticos extremos pode afetar a oferta de bens agrícolas e elevar seus preços. A remoção de subsídios à energia e a imposição de impostos ambientais podem influenciar os preços da energia, enquanto o crescimento da demanda por insumos necessários para a transição verde pode impactar tanto seus preços quanto os de outros bens que os utilizam. No setor financeiro, a perda de valor de ativos ligados à economia fóssil (stranded assets) pode comprometer a estabilidade ao reduzir o valor de bens e ativos mantidos pelos bancos. Esse efeito pode, por sua vez, restringir o acesso ao crédito para empresas associadas, direta ou indiretamente, à produção de energia fóssil.

Os impactos fiscais são possivelmente os mais relevantes. O estudo de Cárdenas e Orozco (2022), apresenta estimativas dos custos para atingir as metas estabelecidas nos compromissos climáticos em seis países da região. Os autores apontam que esses custos variam, em média, entre 7 % e 11 % do PIB por ano, valores superiores aos exigidos no mundo desenvolvido.

Além dessas necessidades de financiamento, há a redução das receitas fiscais nos países que possuem recursos fósseis. Na América Latina e no Caribe, as receitas fiscais provenientes dos hidrocarbonetos representaram 4,2 % do PIB em 2022. No entanto, em países como Equador, Guiana e Trinidad e Tobago, essa participação superou 9 % do PIB no mesmo ano (OCDE, 2023). A descarbonização da economia global reduz significativamente essa fonte de arrecadação tributária.

Não podemos continuar subsidiando atividades que geram grandes problemas de sustentabilidade, como o consumo de combustíveis fósseis. Esses subsídios são regressivos, beneficiam setores que não precisam deles e são prejudiciais do ponto de vista da sustentabilidade. Precisamos reduzir esses subsídios, que hoje consomem muitos recursos do Estado.

Baseado em entrevista com Mauricio Cárdenas

Do ponto de vista econômico, não há justificativas razoáveis para destinar orçamento público ao subsídio do consumo de combustíveis fósseis. (…) Esse é um elemento de política pública que nem exige grande estrutura institucional. (…) Precisamos abordar o problema com uma perspectiva econômica mais ampla.

Baseado em entrevista com Juliano Assunção

Diante desse cenário, em um contexto de restrição fiscal (ver capítulo 1), alguns governos podem obter economias substanciais ao eliminar subsídios à energia. Tributos ambientais, como impostos sobre energia, transporte, poluição e emissões de carbono em geral, bem como o leilão de permissões de emissão, podem se tornar fontes de financiamento para a transição verde.

Na América Latina, os subsídios à energia, tanto diretos quanto indiretos, equivalem a 4,7 % do PIB, mais do que o dobro da média observada nos países mais desenvolvidos (cerca de 2,2 %). Para países com reservas minerais estratégicas para a transição energética, é provável que a arrecadação proveniente da mineração aumente significativamente.

No entanto, de forma agregada, as necessidades de financiamento verde devem superar essas possíveis fontes de receita fiscal. Infelizmente, o financiamento climático internacional ainda é muito limitado em relação às demandas de investimento e tende a ser direcionado principalmente para a mitigação (Brassiolo et al., 2023). Os fundos multilaterais para o clima1 podem ajudar a direcionar o financiamento para atividades verdes, aumentando a visibilidade das contribuições de cada país para as metas climáticas. Além disso, esses fundos permitem que uma parcela maior dos recursos seja disponibilizada na forma de transferências não reembolsáveis ou créditos concessionais, ou seja, concedido sem condições mais favoráveis do que as disponíveis no mercado financeiro tradicional. Isso possibilita que os países em desenvolvimento avancem em seus objetivos climáticos sem comprometer recursos destinados a outras prioridades de desenvolvimento. O acesso ao crédito concessional parece ser fundamental para viabilizar investimentos em adaptação, especialmente no setor de infraestrutura resiliente2 (Arreaza et al., 2023). 

Os títulos vinculados a metas climáticas também podem atrair recursos e investidores voltados para a conservação ambiental. A experiência pioneira do Uruguai, com um título emitido em outubro de 2022, aponta nessa direção. Esse título prevê uma redução na taxa de juros atrelada ao bom desempenho em dois objetivos climáticos: a redução das emissões de GEE e a conservação de áreas de floresta nativa3 (Perelmuter, 2023). 

Além disso, o desenvolvimento de taxonomias verdes mais precisas pode aumentar a transparência e otimizar a alocação de recursos (Allub et al., 2024). As taxonomias verdes4 estabelecem objetivos ambientais e definem setores, subsetores e atividades econômicas que os cumprem. Elas também determinam os critérios e limites que cada atividade deve atender para ser classificada como ambientalmente sustentável. Sua principal função é estabelecer um padrão comum para o financiamento sustentável, fornecendo um direcionamento claro a investidores e agentes do setor público e privado sobre o que caracteriza um investimento verde. Além disso, facilitam a criação de marcos regulatórios que incentivam investimentos em atividades sustentáveis e contribuem para o desenvolvimento de políticas alinhadas com os objetivos de sustentabilidade e redução de emissões.

Atualmente, há diversas iniciativas globais para a criação de taxonomias verdes. Uma delas é a do CAF, que identifica negócios verdes em dez setores estratégicos e define critérios e indicadores para promover a sustentabilidade nesses setores (Gómez García et al., 2022). A taxonomia da Climate Bonds Initiative (CBI), lançada em 2014, serve como referência para o desenvolvimento de critérios de certificação em diversos setores da economia global.

Na América Latina e no Caribe, o Brasil foi o primeiro país a estabelecer sua própria taxonomia verde, em 2015. Desde então, Colômbia e México implementaram suas classificações em 2022 e 2023, respectivamente, e outros países, como Argentina, Chile, Peru e República Dominicana, encontram-se em processo de desenvolvimento de suas taxonomias.

Em um nível mais estrutural, um dos desafios da transição verde está relacionado aos ajustes no mercado de trabalho, pois alguns setores devem crescer enquanto outros tendem a se retrair. Os desafios desse processo são amplificados pelas diferenças nas qualificações exigidas entre empregos verdes e não verdes. No entanto, a transição verde também representa uma oportunidade significativa para a região. O potencial de geração de energia limpa e a abundância de minerais essenciais para a transição energética criam possibilidades de desenvolvimento produtivo, atração de indústrias e inserção em cadeias globais de valor relacionadas à energia limpa. De forma mais ampla, o aproveitamento sustentável dos recursos naturais, incluindo a grande biodiversidade da região, constitui uma alavanca fundamental para impulsionar o desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo, contribuir para a mitigação dos desafios globais da sustentabilidade ambiental5.

Notas al pie

  1. Alguns fundos multilaterais aos quais os países em desenvolvimento têm acesso incluem o Fundo Verde para o Clima (GCF), o Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) e o Fundo de Adaptação  (AF). Esses fundos foram criados ao longo dos anos como mecanismos financeiros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) com o objetivo de fornecer recursos a países em desenvolvimento.
  2. Um estudo recente analisa o papel do investimento em infraestrutura resiliente, dos fundos de contingência e do financiamento concessional na dinâmica do produto e da relação dívida/PIB diante de choques ambientais. A análise conclui que o investimento em infraestrutura resiliente e a criação de fundos de contingência reduzem o impacto dos eventos climáticos sobre o PIB e podem favorecer uma melhor dinâmica da dívida no médio e longo prazo. No entanto, esses instrumentos implicam um aumento do endividamento público no curto prazo, o que pode desincentivar a adoção dessas medidas. O estudo destaca que o acesso ao crédito concessional pode ser essencial para melhorar os prazos em que esses investimentos geram benefícios em termos da trajetória da relação dívida/PIB (Arreaza et al., 2023).
  3. Embora a emissão tenha sido de USD 1,5 bilhão, a demanda total atingiu USD 3,96 bilhões, com interesse de 188 investidores dos Estados Unidos, Europa, Ásia, Uruguai e outros países da América Latina (Perelmuter, 2023).
  4. Para mais detalhes sobre o processo de desenvolvimento e os esquemas de governança de uma taxonomia verde, consulte o apêndice do capítulo 10 do RED 2024, disponível online.
  5. Nos Capítulos 1 e 5, analisamos esses desafios e oportunidades estruturais com mais detalhes; para um aprofundamento adicional, consulte RED 2023 e RED 2024.