Políticas para a vida adulta
A inserção no mercado de trabalho e a acumulação de ativos desempenham um papel determinante no bem-estar das pessoas e de suas famílias ao longo da vida adulta. No entanto, a persistência de barreiras estruturais, como a informalidade laboral, as dificuldades de acesso ao crédito, a desigualdade de gênero, a discriminação étnico-racial e as disparidades regionais, restringem as
oportunidades de empregos de qualidade e o acesso a mecanismos de proteção social. Somadas às desigualdades na formação de capital humano, o impacto de todas essas barreiras sobre a renda do trabalho — principal fonte de renda dos latino-americanos e caribenhos — é significativo1. Ainda que as políticas de transferência de renda para grupos focalizados sejam importantes para aliviar a pobreza, elas não são suficientes para reverter os problemas mais profundos que perpetuam a exclusão. Esta seção se dedica a abordar essas questões estruturais, propondo políticas que promovam uma inserção laboral mais equitativa e um acesso ampliado a oportunidades econômicas.
As famílias em situação de pobreza, especialmente as que vivem em pobreza extrema, precisam do apoio do Estado, não apenas oferecendo proteção contra riscos, mas também algum tipo de transferência de renda. E, nesse aspecto, a região foi pioneira ao desenhar programas de transferência de renda, mas isso é apenas uma parte da proteção social.
Baseado em entrevista com Santiago Levy
Ampliar o acesso a empregos de qualidade para grupos vulneráveis
O acesso limitado a empregos formais, conforme documentado nos capítulos anteriores deste relatório, é um dos problemas estruturais que condicionam a inclusão social. O trabalho informal é caracterizado por baixos salários, alta instabilidade, baixa produtividade e perspectivas limitadas de crescimento profissional. A segmentação do mercado de trabalho aprofunda, ainda, as desigualdades no acesso a mecanismos de proteção social, que na região estão majoritariamente atrelados ao emprego formal (Álvarez et al., 2020). Diante das dificuldades impostas pelos mercados de trabalho, as conexões sociais, especialmente as familiares, desempenham um papel crucial como mecanismo para conseguir um emprego. No entanto, essa dependência acaba se tornando, com o tempo, uma fonte adicional de desigualdades no acesso a oportunidades de trabalho: famílias de maior status socioeconômico contam com melhores recomendações e redes de contatos do que aquelas em situação mais vulnerável (De la Mata et al., 2022).
Como diretrizes gerais, as políticas para reduzir as desigualdades no acesso a empregos de qualidade para grupos vulneráveis devem atuar em três frentes: primeiro, buscar a equiparação do potencial produtivo dos trabalhadores, reduzindo as lacunas pré-existentes resultantes do histórico de formação de capital humano e das mudanças nas demandas do mercado de trabalho; segundo, tornar mais equitativa a forma como o mercado trata pessoas com potencial produtivo similar, mas com características distintas, como gênero ou etnia; e terceiro, apoiar os grupos desfavorecidos a tomar decisões mais bem informadas sobre sua trajetória profissional.
Ainda que as diferenças no capital humano se formem em etapas anteriores, há oportunidades de formação ao longo da vida laboral (Berniell et al., 2016). As políticas de capacitação e qualificação profissional – que incluem cursos presenciais, aprendizado no trabalho por meio de estágios, ou ambos – têm demonstrado efeitos positivos na região, especialmente entre jovens e mulheres (Escudero et al., 2019). Embora antes houvesse uma visão cética em relação a essas políticas nos países em desenvolvimento (McKenzie, 2017),estudos recentes comprovaram sua eficácia (Carranza e McKenzie, 2024). Exemplos bem-sucedidos incluem o programa Jovens em Ação, na Colômbia (Attanasio et al., 2017; Ibarrarán et al., 2019), o Programa Primer Paso, na Argentina (Berniell e De la Mata, 2017),o Projoven, no Peru (Ñopo et al., 2007), e o Yo Estudio y Trabajo, no Uruguai (Le Barbanchon et al., 2023).
Precisamos superar a ideia de que toda a formação de capital humano ocorre exclusivamente nas instituições educacionais. Há um espaço imenso para a formação de capital humano dentro das empresas (…). E essa dimensão da formação, na minha opinião, tem sido altamente subestimada.
Na região, já temos milhões de trabalhadores com 30 anos ou mais, que permanecerão no mercado pelos próximos 30 anos. Não podemos desperdiçar esse capital humano – e aí temos uma grande oportunidade de avanço.
Baseado em entrevista com Santiago Levy
Além disso, diante da transformação da demanda por trabalho impulsionada pelas mudanças tecnológicas e pela transição energética, é essencial adaptar as políticas de formação para fortalecer as competências dos trabalhadores mais vulneráveis. Os avanços tecnológicos podem levar à substituição de trabalhadores por máquinas ou à digitalização de tarefas rotineiras (manuais e cognitivas simples) em determinados empregos; também podem aumentar a produtividade em tarefas não rotineiras e expandir as oportunidades em novas funções (Álvarez et al., 2020). Por outro lado, espera-se que a transição energética tenha impacto nos níveis de emprego e no perfil das habilidades requeridas (Álvarez et al., 2024). Nesse contexto, é necessário que políticas públicas monitorem essas transformações e ofereçam requalificação aos trabalhadores afetados, garantindo sua transição para novas oportunidades de trabalho.
Segundo dados da Pesquisa CAF 2019 (CAF, 2020), quase metade dos trabalhadores nas cidades da América Latina está concentrada em ocupações com alto teor de tarefas rotineiras (47 %, em média, nas principais cidades da região, frente a 41 % nos Estados Unidos). A análise por características sociodemográficas indica que os trabalhadores com menor nível de escolaridade, origem familiar de classe média e os jovens podem ser os mais afetados pela automação. Brambilla et al., (2023) documentam o efeito da incorporação de robôs nos mercados de trabalho da Argentina, Brasil e México, os principais usuários na América Latina. Os robôs substituem principalmente empregos assalariados formais, afetando em maior grau trabalhadores jovens e semiqualificados. Isso leva os trabalhadores deslocados a buscarem alternativas no mercado informal para evitar o desemprego. Entre aqueles que mantêm seus empregos, a robotização acarreta maiores perdas salariais para trabalhadores formais de meia-idade e idosos.
Outra política ativa de emprego foca em apoiar os trabalhadores na obtenção de colocação, reduzindo a assimetria de informação entre trabalhadores e empresas, ou diminuindo os custos associados à busca de emprego, especialmente elevados para os grupos vulneráveis. Essas políticas incluem bolsas de emprego – que fornecem informações sobre vagas aos trabalhadores e sobre candidatos às empresas –, apoio no processo de busca, como orientação para elaboração de currículos, e capacitação em habilidades para entrevistas. Incluem também a certificação de competências com base na avaliação das capacidades produtivas dos trabalhadores, além do incentivo ao desenvolvimento e ao uso de plataformas digitais de busca de emprego. Outro tipo de política que pode contribuir para melhorar a tomada de decisão em momentos chave da trajetória profissional é aquela que fornece informações sobre a qualidade das vagas disponíveis e o potencial futuro das ocupações. Esse tipo de intervenção pode ser particularmente importante para os jovens ao ingressarem no mercado de trabalho, já que essas primeiras experiências moldam trajetórias futuras (Berniell e De la Mata, 2017). Conjuntamente, essas políticas podem ampliar o leque de oportunidades laborais para os grupos mais vulneráveis, reduzindo a dependência de redes sociais pessoais.
Com relação a esses serviços empresariais, o que importa mais é o fuso horário (…) do que quantos quilômetros você está. E isso faz com que a América Latina possa se integrar de norte a sul na prestação de serviços empresariais que poderiam empregar nossa crescente população com ensino superior.
Baseado em entrevista com Ricardo Hausmann
Reduzir a desigualdade espacial nas oportunidades de trabalho
As desigualdades espaciais são um fator crucial nas oportunidades de emprego para os grupos vulneráveis. A localização geográfica e o acesso ao transporte podem determinar de forma significativa as chances de obter um emprego formal ou melhorar as condições de trabalho. Na América Latina e no Caribe, as disparidades de produtividade entre regiões limitam as oportunidades para quem vive em áreas menos desenvolvidas (Alves, 2021). As políticas públicas podem enfrentar essas desigualdades por meio de uma abordagem territorial que reduza as diferenças no acesso a serviços básicos (educação, saúde, infraestrutura etc.), fortalecendo assim o potencial produtivo.
Dentro das cidades, as desigualdades espaciais também são evidentes. Os empregos formais tendem a se concentrar nas áreas centrais, gerando disparidades nas distâncias até os locais de trabalho. Na Cidade de Buenos Aires, por exemplo, metade dos empregos formais está concentrada em um raio de quatro quilômetros no centro, enquanto a região metropolitana se estende por dezenas de quilômetros (Alves et al., 2018) (Gráfico 3.10). Situações semelhantes ocorrem em São Paulo, onde os moradores das zonas periféricas têm acesso a menos de 20 % dos empregos localizados a menos de uma hora de deslocamento, em contraste com mais de 50 % para os moradores do centro (Pereira et al., 2020). Um fator que agrava essa desigualdade são os altos custos de transporte e a elevada congestão, características comuns nas cidades latino- americanas e caribenhas (Daude et al., 2017).
Gráfico 3.10 Densidade populacional e de emprego formal privado na Cidade Autônoma de Buenos Aires, ano de 2017
A. Densidade populacional (média de pessoas por hectare)

B. Densidade de emprego formal no setor privado (média do total de empregos por hectare)

As políticas ativas de mercado de trabalho descritas anteriormente, especialmente as voltadas a apoiar os trabalhadores na busca por emprego, podem ser fundamentais para enfrentar as barreiras espaciais que restringem a busca laboral a áreas reduzidas dentro das cidades (Berniell et al., 2024; Manning e Petrongolo, 2017). Contudo, como boa parte dessas limitações decorre dos custos de deslocamento enfrentados pelas populações mais vulneráveis, a expansão da infraestrutura de transporte público deve ser considerada uma ferramenta eficaz para aproximar as oportunidades de trabalho. Um estudo recente sobre a ampliação do metrô na Cidade do México demonstrou que a melhoria do acesso ao centro urbano, onde os empregos formais estão concentrados, reduziu os níveis de informalidade nos bairros periféricos e aumentou o bem-estar de seus moradores (Zárate, 2022).
Erradicar toda forma de discriminação étnico-racial
As populações indígenas e afrodescendentes da América Latina e do Caribe enfrentam penalizações sistemáticas nos mercados de trabalho da região. Essas penalizações se manifestam, entre outros aspectos, em menores oportunidades de emprego formal e, quando o conseguem, em salários mais baixos. Uma parte dessas disparidades étnico-raciais pode ser explicada por diferenças na formação de capital humano, conforme discutido anteriormente. No entanto, outra parte significativa tem origem em comportamentos discriminatórios no mercado de trabalho. A chamada “discriminação estatística”, na qual os empregadores baseiam suas decisões em características observáveis como etnia ou cor da pele – utilizadas como indicador imperfeito de produtividade –, é um exemplo claro. Mas a discriminação também pode estar baseada em preferências. O Gráfico 3.11 mostra que as probabilidades de estar desempregado ou de atuar como trabalhador por conta própria são maiores para pessoas de pele mais escura, em comparação com aquelas de pele mais clara, mesmo entre pessoas com o mesmo nível educacional, o que reflete um viés racial evidente nas decisões de contratação.
Gráfico 3.11 Disparidades nos resultados trabalhistas segundo a cor da pele
A. Desemprego
B. Trabalhadores por conta própria
Diversos estudos confirmaram a existência de um componente relevante de discriminação no mercado de trabalho na região. Por um lado, algumas pesquisas demonstraram que uma parcela significativa da diferença salarial não pode ser explicada de maneira conclusiva por características observáveis associadas à produtividade dos trabalhadores (Arcand e D’Hombres, 2004; Card et al., 2021). Por outro lado, estudos que utilizam a técnica de envio de currículos fictícios para vagas reais de trabalho, nos quais se altera aleatoriamente a etnia ou a raça dos candidatos, evidenciaram um viés claro nos processos de contratação, desfavorável a candidatos afrodescendentes e indígenas (Arceo-Gómez e Campos-Vázquez, 2014; Galarza e Yamada, 2014).
As ações para reduzir as disparidades étnico-raciais nos mercados de trabalho podem ser agrupadas em três grandes frentes. A primeira consiste em reformar os processos seletivos para que etnia e raça não sejam fatores relevantes, o que implicaria eliminar fotos e nomes dos candidatos nas etapas iniciais da seleção. Segundo, implementar políticas de ação afirmativa, como as cotas mínimas de emprego para grupos étnicos desfavorecidos em concursos públicos adotadas no Brasil e no Uruguai (CEPAL e UNFPA, 2021). Embora as evidências sobre essas políticas sejam limitadas, elas sugerem que são eficazes para ampliar o emprego de grupos desfavorecidos sem afetar a produtividade (Holzer e Neumark, 2000). Finalmente, essas políticas devem ser complementadas por medidas mais amplas que abordem a educação e a cultura, áreas-chave para o combate à discriminação estrutural.
Fortalecer a autonomia econômica das mulheres
As mulheres enfrentam barreiras específicas que limitam sua inclusão social, especialmente no mercado de trabalho. Essas desigualdades afetam, como era de se esperar, de forma mais intensa aquelas que se encontram em contextos desfavorecidos. Tais desigualdades costumam se manifestar de diversas maneiras, como na defasagem de participação no mercado de trabalho e nos salários, na segregação ocupacional e na menor presença em empregos formais de qualidade (Gráfico 3.12.A). Além disso, como geralmente recaem sobre elas responsabilidades desproporcionais de cuidado e de trabalho não remunerado, sua disponibilidade para participar plenamente do mercado de trabalho é limitada (Gráfico 3.12.B). Embora a distribuição do tempo entre trabalho remunerado e não remunerado possa ser justificada por vantagens comparativas, as evidências tendem a refutar essa explicação2. Fatores institucionais, como a cobertura limitada de serviços de cuidado infantil ou políticas de licença parental, bem como normas sociais, exercem papel determinante (Berniell et al., 2023; Kleven et al., 2019, 2024; Olivetti e Paserman, 2015). Essa situação não apenas prejudica a autonomia econômica das mulheres, como também compromete a alocação eficiente de talentos nas economias, contribuindo para uma produtividade inferior.
Gráfico 3.12 Desigualdades de gênero: mercado de trabalho e tarefas domésticas
A. Lacunas no mercado de trabalho por nível educacional (diferença percentual). Média para 18 países da América Latina e do Caribe, por volta de 2022.
B. Horas semanais dedicadas a afazeres domésticos e cuidados não remunerados, por quintil de renda. Média para vários países da América Latina
A desigualdade de gênero na participação no mercado de trabalho caiu consideravelmente durante a década de 1990 e a primeira década dos anos 2000. Nesse período, passou de 40 para 30 pontos percentuais até 2010, mas se manteve estagnada desde então. Esse fenômeno contrasta com o notável avanço educacional alcançado pelas mulheres nas últimas décadas, inclusive superando os homens em anos de escolaridade (Marchionni et al., 2019). Estudos recentes destacam a maternidade como o fator central para explicar as desigualdades de gênero (Kleven et al., 2019), pois ela responde por quase metade da diferença de renda entre homens e mulheres (Marchionni e Pedrazzi, 2023). Esse resultado é evidente em diversos países da região, onde se observa que as trajetórias profissionais das mulheres são significativamente afetadas após o nascimento do primeiro filho e não se recuperam, mesmo após vários anos3. Em contraste, o nascimento dos filhos tem impacto praticamente nulo nas trajetórias profissionais dos homens. O Gráfico 3.13.A ilustra esse fenômeno no caso do Chile. Na região, não apenas se observa uma queda acentuada na participação laboral das mulheres após a maternidade, como ocorre em países desenvolvidos, mas também uma deterioração considerável na qualidade do emprego, com aumento da informalidade (Gráfico 3.13.B). Isso pode ser explicado pela necessidade de aceitar empregos com flexibilidade que o setor formal geralmente não proporciona (Berniell et al., 2021).
Gráfico 3.13 Trajetórias profissionais de mães e pais após o nascimento do primeiro filho no Chile (variações percentuais em relação ao ano anterior ao nascimento)
A. Impacto na participação no mercado de trabalho
B. Impacto no emprego informal (condicional a estar trabalhando)
Para reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, é essencial implementar medidas que ajudem as famílias a mitigar as restrições de tempo e renda associadas aos cuidados com filhos e pessoas dependentes. Como mencionado, a ampliação dos serviços de cuidado infantil é fundamental, especialmente para melhorar a situação das mulheres em maior vulnerabilidade (Berlinski et al., 2011; Berlinski, S. e Galiani, S., 2007; Morrissey, 2017). Uma medida complementar seria estender a jornada escolar na educação básica.
O conjunto de políticas também deve incluir a revisão da legislação trabalhista e previdenciária, com o objetivo de ampliar as licenças parentais sob uma abordagem neutra em termos de gênero, evitando discriminação contra as mulheres (Arreaza et al., 2023). As licenças parentais são voltadas principalmente à maternidade, enquanto as licenças de paternidade continuam muito curtas. Essa revisão deve promover a corresponsabilidade entre mães e pais. Além disso, é necessário assegurar que não existam práticas discriminatórias no emprego formal das mulheres, evitando disparidades de custo na contratação entre homens e mulheres.
Também são imprescindíveis políticas que favoreçam a presença de mulheres em ocupações de maior remuneração e qualidade. Essas políticas devem incluir reformas curriculares e pedagógicas ao longo de todo o ciclo educacional, que adotem uma abordagem mais neutra em termos de gênero e incentivem, de forma explícita, que as mulheres invistam mais em formação alinhada às demandas futuras do mercado de trabalho. Elas também incluem políticas de ação afirmativa que promovam a participação das mulheres em cargos de liderança.
Por fim, é essencial implementar políticas que promovam mudanças nas normas sociais de gênero, avançando, por exemplo, para uma maior corresponsabilidade nas tarefas de cuidado. Isso inclui campanhas de conscientização sobre igualdade de gênero, programas educacionais voltados à divisão equitativa das tarefas domésticas e a promoção de modelos masculinos em papéis de cuidado.
A forma mais extrema das adversidades enfrentadas pelas mulheres é, sem dúvida, a violência de gênero. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, uma em cada três mulheres já sofreu algum tipo de violência física ou sexual cometida por um parceiro ou outra pessoa. A violência de gênero tem impactos profundos sobre a saúde física e mental das mulheres, além de afetar suas condições econômicas. Trata-se de um problema público de natureza multidimensional: compromete a saúde pública, a segurança e os direitos humanos. É crucial seguir fortalecendo políticas públicas abrangentes para prevenir e combater a violência de gênero, com o apoio de estudos e ferramentas tecnológicas que aprimorem a coleta de dados e estatísticas (Aguirre et al., 2022).
Embora não tenham como objetivo explícito a redução das desigualdades de gênero, políticas de transferência de renda – como as transferências condicionadas e as pensões não contributivas – têm contribuído nesse sentido ao ampliar a autonomia das mulheres na gestão dos recursos do lar e seu poder de decisão sobre suas vidas e a de seus filhos (Alemann et al., 2016; Berniell et al., 2020). Essas políticas também contribuíram para adiar o casamento precoce, reduzir a fertilidade das beneficiárias, ampliar o uso de métodos contraceptivos e diminuir a probabilidade de que as mulheres sofram violência física por parte de seus parceiros (Bastagli et al., 2016).
Promover a inclusão financeira e o acesso a ativos críticos
A América Latina e o Caribe se caracterizam por uma elevada concentração de riqueza, ainda maior que a concentração de renda. Os 50 % mais pobres da população detêm apenas 1 % da riqueza, enquanto os 10 % mais ricos concentram 78 % (WID, 2022).As evidências indicam que atingir certos patamares mínimos de riqueza é necessário até mesmo para romper com armadilhas de pobreza (Balboni et al., 2022). Nesse contexto, o acesso a ativos críticos – como moradia e outros ativos produtivos – aliado à inclusão financeira, é fundamental para reduzir essas desigualdades e lacunas de pobreza.
Para grande parte da população, o ativo mais relevante é a moradia (De la Mata et al., 2022). No entanto, as desigualdades na posse entre os grupos mais
ricos e os mais pobres têm aumentado nas últimas décadas. Embora o acesso à moradia seja relativamente elevado, há um forte gradiente socioeconômico na qualidade, especialmente quanto ao acesso a serviços básicos como água potável e saneamento, além da posse formal do imóvel. Moradias localizadas em assentamentos informais e sem acesso a serviços públicos continuam sendo a realidade de muitos grupos em situação de vulnerabilidade (Daude et al., 2017). Por sua vez, a posse de ativos produtivos, como pontos comerciais ou terras, também reflete esse padrão socioeconômico, sendo consideravelmente mais restrita para os grupos mais pobres. As barreiras estruturais enfrentadas por esses grupos incluem tanto a insuficiência de renda quanto a falta de acesso a instrumentos financeiros adequados e a conhecimentos que poderiam facilitar a aquisição e valorização desses ativos.
Nesse aspecto, os subsídios e as transferências desempenham um papel fundamental para garantir o acesso à moradia para os domicílios de baixa renda. Estudos indicam que os subsídios em dinheiro para aquisição de moradia, em vez da construção estatal, podem ser mais eficientes e transparentes, pois reduzem os custos e permitem que as famílias escolham a localização de sua preferência (Bouillon, 2012).
Além disso, os programas de regularização fundiária têm se mostrado eficazes para estimular o investimento em moradia e melhorar a saúde das famílias. Esse processo permite que os domicílios formalizem suas propriedades, facilitando o acesso ao crédito e incentivando a realização de melhorias habitacionais (Galiani e Schargrodsky, 2010). No entanto, é fundamental que esses programas também se concentrem em manter a formalidade em transações futuras, evitando que os altos custos de registro perpetuem a informalidade em transferências subsequentes.
Por outro lado, as políticas de inclusão financeira devem ser amplas e incluir desde a capacitação em educação econômica até a ampliação do acesso aos serviços bancários. A população da região, em sua maioria, apresenta baixos níveis de conhecimento financeiro. Essa tendência é diretamente proporcional ao nível socioeconômico (Azar et al., 2018), como demonstram os resultados das pesquisas de capacidades financeiras do CAF (Gráfico 3.14), que também evidenciam níveis particularmente baixos de educação financeira entre as mulheres. Políticas de inclusão financeira integradas ao sistema educacional
e aos programas de transferências condicionadas podem ser ferramentas poderosas para melhorar o controle das finanças entre os grupos vulneráveis. Muitos programas de transferências condicionadas já incorporam componentes de educação financeira (García et al., 2013). Além disso, a participação das instituições financeiras estatais é essencial, pois, embora o setor privado possa oferecer esses serviços, o faz de forma menos ideal devido às externalidades geradas nos mercados de crédito (Laajaj e Yang, 2018).
Os programas de capacitação nessa área não apenas ampliam o conhecimento, mas também melhoram o comportamento financeiro dos beneficiários (Kaiser et al., 2022). Quando bem implementados, esses programas produzem efeitos econômicos significativos, sobretudo entre os grupos mais vulneráveis (Gráfico 3.14). No Peru, por exemplo, um projeto-piloto de educação financeira aplicado no ensino médio teve impactos expressivos tanto no conhecimento financeiro dos jovens quanto em seu comportamento de crédito três anos depois, quando já haviam concluído os estudos (Frisancho, 2023a). Também foi observado um efeito de disseminação do aprendizado dos filhos para os pais (Frisancho, 2023b).
Gráfico 3.14 Porcentagem de pessoas com bom conhecimento financeiro segundo gênero e nível educacional
Além da capacitação financeira, é fundamental ampliar o acesso aos serviços bancários para os grupos mais vulneráveis. Isso inclui desenvolver políticas regulatórias que estimulem o crescimento das microfinanças e das fintechs, fortalecer as agências de crédito e promover a digitalização desses serviços (Mejía e Azar, 2021). Nas últimas décadas, o setor de microfinanças alcançou avanços relevantes em países como Bolívia e Peru, facilitando o acesso de setores historicamente excluídos do sistema financeiro formal. O uso de novas tecnologias representa uma oportunidade promissora para a inclusão financeira e reforça a necessidade de consolidar políticas que eliminem as barreiras de acesso, por meio da ampliação da cobertura de internet e da alfabetização digital dos grupos vulneráveis.