Desafios transversais da política social
É fundamental reconhecer que as políticas de inclusão enfrentam desafios transversais que influenciam diretamente seu desenho e implementação. Um dos mais relevantes é a necessidade de uma focalização eficaz dos beneficiários, a fim de garantir que as intervenções alcancem, de fato, os públicos que mais necessitam. Um exemplo emblemático dessa limitação são as políticas redistributivas ex post, como os sistemas de transferências monetárias não contributivas. Stampini et al. (2023) demonstram que apenas 55 % da população em situação de pobreza se beneficia desses programas, enquanto 41 % das pessoas que vivem em domicílios que recebem ao menos uma transferência não contributiva estão acima da linha da pobreza.
Além disso, é fundamental que o Estado disponha das capacidades técnicas e institucionais necessárias para implementar políticas de forma eficaz. A habilidade de desenhar, coordenar e executar programas de inclusão é um fator determinante para o seu êxito. A ausência dessas competências pode limitar o alcance e a efetividade das iniciativas. Um Estado mais eficiente também contribui para uma alocação mais racional dos recursos, o que pode aliviar, inclusive, a pressão fiscal associada à expansão das políticas sociais.
Outro desafio relevante é assegurar um financiamento sustentável que permita manter as políticas de inclusão no longo prazo, sem que sejam ameaçadas por contextos de restrição fiscal ou por ciclos eleitorais. Nas últimas três décadas, o gasto público social dobrou sua participação no produto interno bruto (PIB), e sua proporção dentro do gasto público total aumentou em praticamente todos os países, passando de menos de 46 % para quase 54 %. Esse avanço reflete o esforço regional em construir sistemas de proteção social mais sólidos. No entanto, os níveis de gasto social na região ainda são inferiores quando comparados aos países da OCDE. Embora parte dessa diferença se explique por fatores demográficos — como o envelhecimento da população nos países da OCDE e os maiores gastos com pensões — e pelo nível de desenvolvimento econômico, uma parcela significativa decorre da menor cobertura e generosidade dos programas de proteção social na América Latina e no Caribe (Álvarez et al., 2020). Ampliar a cobertura e garantir um patamar mínimo de qualidade nos serviços ofertados aos grupos mais vulneráveis exige um financiamento adequado.
Um desafio ainda pendente para a política social na região é fortalecer sua capacidade redistributiva. Embora o gasto social — excluindo as pensões contributivas — tenda a reduzir a desigualdade de renda na América Latina e no Caribe, os sistemas fiscais como um todo apresentam limitações: conseguem reduzir a desigualdade, mas em menor grau do que outros países de renda média alta e muito menos do que os países desenvolvidos (Lustig et al., 2023). Em alguns países, a combinação entre gasto social e tributação não apenas falha em reduzir a pobreza, como pode até agravá-la (Higgins e Lustig, 2016). Esses resultados indicam que a política tributária — embora não seja abordada neste capítulo — desempenha um papel central tanto no financiamento das políticas quanto na redução da desigualdade.
Por fim, o desenho das políticas de inclusão deve levar em conta os efeitos que elas podem gerar sobre os incentivos de empresas e beneficiários, para evitar distorções indesejadas no mercado de trabalho ou nos investimentos, assegurando que os estímulos à produtividade e ao crescimento econômico não sejam comprometidos. Esse aspecto é crucial no que se refere aos benefícios e ao financiamento dos instrumentos de proteção social, como saúde, previdência e programas de transferência de renda (quadro 3.3). Embora esses temas extrapolem o escopo deste capítulo, são fundamentais na discussão dos instrumentos de política específicos, pois influenciam diretamente a efetividade e a viabilidade das estratégias de inclusão.
Quadro 3.3 Exemplos de desincentivos da proteção social não contributiva
Os sistemas de proteção social não contributiva, apesar de seus efeitos positivos sobre o bem-estar de trabalhadores informais e vulneráveis e de suas famílias, também podem gerar incentivos para que esses mesmos trabalhadores permaneçam no setor informal, o que leva a níveis mais baixos de produtividade e impacta negativamente a economia.
Estudos que analisam o impacto da introdução de programas de proteção social não contributiva, como transferências de renda e sistemas públicos de saúde não contributivos, mostram que, embora existam efeitos negativos sobre a participação no mercado de trabalho e a formalidade, sua magnitude é de moderada a baixa (Bérgolo Sosa e Cruces, 2016; Bosch e Campos-Vázquez, 2014; Camacho et al., 2014; Garganta e Gasparini, 2015). Esses efeitos indesejados devem, em qualquer caso, ser ponderados frente aos ganhos em diversos indicadores de inclusão, como saúde e educação.
Há amplas oportunidades para melhorar a equidade e a eficiência na América Latina, justamente porque estamos diante de um contexto em que o desenho disfuncional e ultrapassado da proteção social e dos instrumentos tributários — como os regimes especiais para empresas — é simultaneamente causa de uma proteção social ineficaz e de baixa produtividade. Portanto, se compreendermos essas sinergias, teremos uma enorme oportunidade de redesenhar os sistemas tributários e aprimorar os sistemas de proteção social, avançando tanto na dimensão da equidade quanto da produtividade.
Baseado em entrevista com Santiago Levy