Mercados financeiros e o desenvolvimento produtivo

O acesso das empresas ao financiamento é um fator essencial para a alocação eficiente de capital e o aumento da produtividade. A situação da ALyC nesse aspecto é pouco alentadora.

O volume de crédito em relação ao tamanho das economias é relativamente baixo. O gráfico 2.11 mostra que, em 2023, o crédito ao setor privado na ALyC correspondia a 51 % do PIB, enquanto nos países da OCDE alcançava, em média, 150 %. Isso não apenas evidencia um fraco desenvolvimento financeiro na região, como também sugere acesso limitado ao crédito por parte de empresas e famílias1.

Gráfico 2.11 Crédito ao setor privado (% PIB)

Nota: Os dados correspondem à última informação disponível para cada país. A maioria refere-se a 2023. Para Bolívia e Peru, os dados são de 2022; para o Panamá, de 2020; e para a Venezuela, de 2013.

Outros indicadores confirmam esse cenário. As pequenas e médias empresas (PMEs), que representam quase a totalidade das empresas em operação e concentram cerca de 70 % do emprego assalariado na ALyC, enfrentam sérias restrições de crédito. Como ilustrado no painel A do gráfico 2.12, na região, aproximadamente 15 % dos empréstimos concedidos por bancos comerciais são destinados às PMEs, enquanto em outras regiões do mundo esse percentual supera 20 %, chegando a quase 28 % na Europa. Da mesma forma, os empréstimos às PMEs na ALyC representam apenas cerca de 5 % do PIB, valor significativamente inferior ao das demais regiões, com exceção da África, onde correspondem a quase 3 % (painel B). Em contraste, na Europa, os empréstimos a PMEs equivalem a 13 % do PIB, e na Ásia-Pacífico, a quase 20 %.

Gráfico 2.12 Empréstimos de bancos comerciais para PMEs

A. Percentual sobre o total de empréstimos

B. Percentual do PIB

Nota: As barras mostram a proporção que os empréstimos às PMEs representam em relação ao total de empréstimos dos bancos comerciais (painel A) e ao PIB (painel B) em cada região, calculada como a média simples dos países com dados disponíveis para todas as variáveis e para todo o período.

Fonte: FMI (2024).

Outro sinal é o diferencial das taxas de juros pagas pelas PMEs em comparação às grandes empresas. De acordo com dados da OCDE (2024b), esse diferencial é significativamente mais alto na ALyC em relação ao grupo de países desenvolvidos. O gráfico 2.13 mostra que, nos países da ALyC, esse diferencial varia de 3,6 pontos percentuais no México a quase 20 no Peru. A média desses dois países, juntamente com Chile, Colômbia e Brasil, é de 8,6. Em contraste, a mediana da amostra de 36 países incluídos no gráfico é inferior a 1 ponto percentual.

Gráfico 2.13 Diferencial de taxas de juros entre empréstimos para PMEs e grandes empresas, 2022

O acesso restrito a financiamento é um obstáculo relevante ao crescimento das empresas, impedindo que aproveitem plenamente os ganhos de eficiência gerados pela inovação2. Quando enfrentam altos custos de endividamento e barreiras ao crédito, especialmente as PMEs e empresas jovens têm sua capacidade de investir em novas tecnologias, expandir operações ou mesmo manter o capital existente comprometida. Isso também afeta decisões ligadas à inovação, pois limita o investimento em insumos complementares essenciais, como aquisição de máquinas avançadas, contratação de mão de obra qualificada ou adoção de novas práticas organizacionais3.

O gráfico 2.14 revela que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento nos países da ALyC equivalem, em média, a 0,31 % do PIB, sendo o Brasil o destaque com 1,15 %. Em contrapartida, a média entre os países da OCDE é de 2,3 % do PIB, com Alemanha, Japão e Estados Unidos superando os 3 %. Outros indicadores de inovação retratam a mesma realidade. Por exemplo, em termos de pedidos de patentes, a ALyC representa apenas 0,35 % das solicitações globais, enquanto a região concentra mais de 8 % da população mundial e cerca de 7,3 % do PIB global4.

Gráfico 2.14 Gastos com pesquisa e desenvolvimento (% do PIB)

Nota: Para a maioria dos países, os dados referem-se ao ano de 2021, com exceção dos seguintes. Para Brasil, Chile e Colômbia, os dados são de 2020; Austrália e Honduras, de 2019; Venezuela, de 2016; Nicarágua, de 2015; e Equador, de 2014. A média da OCDE corresponde à média simples dos países membros da organização, excluindo Colômbia, Chile e México.

Naturalmente, a falta de acesso a financiamento não é a única causa da baixa inovação na região, mas é, segundo as evidências empíricas, um fator crucial. A concorrência nos mercados de bens e serviços, a cooperação entre empresas e a participação em cadeias de valor — como será discutido adiante — também são determinantes importantes.

As fricções financeiras são outro fator que restringe a entrada de novas empresas5. Os elevados custos de entrada e o acesso limitado ao capital inicial fazem com que apenas empresas com recursos internos suficientes ou boas conexões consigam ingressar no mercado. Isso reduz a concorrência, permitindo que empresas menos produtivas sobrevivam e prosperem.

Em essência, um sistema financeiro ineficiente dificulta o fluxo de capital, especialmente para as empresas mais produtivas e com maior potencial, resultando em menor produtividade agregada.

O acesso ao financiamento também influencia as decisões ocupacionais dos indivíduos. Quando há barreiras e o capital não alcança os empreendedores com mais potencial, a economia sofre com uma alocação ineficiente de talentos. Isso significa que empreendedores com menor qualificação, mas com acesso a recursos, acabam operando empresas menos produtivas, que demandam menos trabalho e capital. Esse cenário se reflete em salários mais baixos, tornando a alternativa de ser assalariado menos atraente. Com isso, mais pessoas passam a buscar o empreendedorismo, criando um círculo vicioso que leva à proliferação de empreendimentos excessivos e ineficientes, muitos dos quais acabam na informalidade.

A relação entre informalidade e fricções financeiras não se limita aos efeitos sobre as decisões ocupacionais dos trabalhadores. Quando as empresas não têm histórico financeiro ou os ativos necessários para garantir empréstimos no setor formal, podem optar por operar na informalidade para evitar os custos associados à formalização.

Outro impacto negativo das barreiras ao financiamento é a limitação da expansão das empresas para novos mercados e da sua inserção em cadeias globais de valor. Em síntese, as fricções financeiras geram consequências profundas sobre o tecido produtivo e a produtividade das empresas e da economia como um todo.

Reforma financeira: maior acesso ao crédito e inclusão

Para ampliar o acesso ao crédito, especialmente para as PMEs, e promover uma maior inclusão financeira na ALyC, é fundamental enfrentar as deficiências atuais do sistema bancário. Na região, isso se caracteriza por uma elevada concentração e pela ausência de incentivos para direcionar as fontes de financiamento às PMEs, que são percebidas como mais arriscadas, o que obriga muitas dessas empresas a depender de recursos internos ou informais.

Nesse sentido, é fundamental implementar políticas que promovam a concorrência, a transparência e a eficiência. Isso implica, por um lado, fomentar o desenvolvimento de sistemas de informações de crédito que forneçam dados confiáveis sobre os tomadores de empréstimos, facilitando uma avaliação de risco mais precisa por parte dos bancos. Isso envolve o fortalecimento — ou mesmo a criação — de centrais de risco, como os bureaus de crédito, que coletam e disseminam informações de crédito sobre pessoas e empresas. Essas instituições, ao reduzirem as assimetrias de informação que caracterizam o sistema financeiro, promovem maior acesso ao crédito, endividamento responsável e um sistema financeiro mais inclusivo e eficiente.

Em termos de inclusão, uma característica comum da América Latina (…) é que o acesso ao crédito costuma ser altamente enviesado em favor das grandes empresas. Portanto, as pequenas e médias empresas e as famílias têm um acesso muito mais restrito ao crédito.

Baseado em entrevista com Carmen Reinhart

Por outro lado, é necessário facilitar a entrada de novas instituições financeiras, incluindo fintechs e cooperativas de crédito, para diversificar o mercado e oferecer mais opções às empresas e ao público.

O impacto das fintechs na ALyC pode ser significativo na ampliação do acesso ao crédito, especialmente para os setores tradicionalmente negligenciados pela banca convencional. As fintechs têm o potencial de democratizar o acesso aos serviços financeiros por meio do uso de tecnologias inovadoras que reduzem os custos operacionais e possibilitam a oferta de produtos e serviços mais alinhados às necessidades dos clientes.

Uma das principais vantagens dessas instituições é sua capacidade de avaliar o risco com base em dados não tradicionais, como histórico de pagamento de serviços públicos ou perfis em redes sociais, além de utilizarem métodos alternativos de análise. Isso lhes permite aferir a solvência de PMEs e pessoas físicas com histórico de crédito limitado ou inexistente, ou com garantias insuficientes (Kelly et al., 2017). 

Ao operar com custos mais baixos, as fintechs conseguem oferecer condições de financiamento mais vantajosas. Isso se traduz em maior concorrência no setor financeiro, que se manifesta tanto de forma direta, por meio da rivalidade entre fintechs e bancos tradicionais, quanto de forma indireta, ao incentivar as instituições financeiras tradicionais a investirem em novas tecnologias (Bakker et al., 2023).

Há evidências de que essa intensificação da concorrência tem contribuído para a redução dos spreads das taxas de juros, tornando o crédito mais acessível. Nas economias emergentes e em desenvolvimento, assim como na ALyC, um aumento na atividade dos bancos digitais está associado à redução desses spreads. Especificamente, um acréscimo de um ponto percentual na proporção de transações de bancos digitais em relação ao total de empréstimos bancários está correlacionado a uma redução na margem de juros entre 0,2 e 1,9 ponto percentual. No Brasil, onde há uma expressiva presença de fintechs, as margens das taxas de juros caíram cerca de 13 pontos percentuais entre 2017 e 2020, e estima-se que o aumento da atividade dos bancos digitais tenha contribuído para uma redução de 3 pontos percentuais nesses spreads (Bakker et al., 2023).

O impacto das fintechs vai além, pois também estão impulsionando a inclusão financeira. As tecnologias digitais tornam mais viável atender populações tradicionalmente excluídas, como aquelas localizadas em áreas rurais e pessoas de baixa renda, superando barreiras geográficas e de outra natureza, e desenvolvendo produtos e serviços especialmente adaptados às necessidades desses grupos.

Os dados da América Latina e do Caribe mostram que, de fato, os empreendimentos fintech estão cada vez mais voltados a segmentos da população desatendidos pelo sistema financeiro tradicional. Em 2023, “57,32 % das empresas fintech têm como público-alvo pessoas ou empresas sub- bancarizadas ou não bancarizadas”6, lo que representa um aumento significativo em relação aos 36 % observados em 20217

A associação entre instituições financeiras tradicionais e fintechs também tem se mostrado uma estratégia eficaz, permitindo maior acesso ao crédito para pessoas físicas e jurídicas, em especial PMEs, que, de outro modo, permaneceriam excluídas.

Essas parcerias aproveitam as fortalezas de ambos os tipos de instituições. As instituições financeiras tradicionais contribuem com sua marca, base de clientes e acesso a recursos, enquanto as fintechs oferecem inovação tecnológica, sistemas modernos de informação e capacidade de analisar grandes volumes de dados dos consumidores (Kelly et al., 2017).

Uma questão ainda em aberto é se o crescimento da indústria fintech melhora efetivamente o acesso ao crédito para empresas e consumidores. As evidências apresentadas em Berg et al. (2022) sugerem que, ao menos em economias desenvolvidas, as fintechs não conseguiram ampliar de forma significativa o acesso ao crédito para tomadores tradicionalmente excluídos pela banca convencional, salvo em nichos específicos. Outros estudos, no entanto, indicam avanços no acesso ao crédito em determinados segmentos e mercados 8. No caso das empresas, especificamente, há evidências de que as fintechs podem ampliar o acesso ao financiamento, especialmente para as PMEs.

Em economias em desenvolvimento, em particular, as fintechs tendem a ter maior potencial de expansão do crédito, uma vez que os sistemas bancários desses países frequentemente carecem da infraestrutura e dos recursos necessários para uma avaliação de risco adequada. Assim, ao utilizarem dados e métodos não tradicionais, as fintechs podem exercer um impacto mais expressivo9

Para que esse impacto seja plenamente efetivo, é necessário que os governos e órgãos reguladores dos países da região estabeleçam um marco regulatório que estimule a inovação, proteja os consumidores e assegure a estabilidade do sistema financeiro. Isso inclui a criação de um ambiente competitivo que permita a atuação conjunta dessas instituições com os bancos tradicionais, promovendo um ecossistema mais inclusivo e dinâmico.

O Quadro 2.1 aprofunda as reformas necessárias no marco regulatório para o melhor desenvolvimento do setor fintech.

Quadro 2.1. Um ambiente favorável às fintechs

Para alcançar as mudanças regulatórias necessárias para impulsionar o crescimento das fintechs, ao mesmo tempo em que se protege os consumidores e se garante a estabilidade do sistema financeiro, podem ser implementadas diversas medidas específicas, classificadas nas seguintes categorias:

1. Medidas para promover a clareza regulatória:

  • Definição de categorias e serviços: estabelecer definições claras e precisas das diferentes categorias de fintechs e dos serviços que oferecem. Isso pode ser feito por meio da criação de um glossário ou taxonomia específica para o setor fintech, a ser utilizada por todos os atores do ecossistema, incluindo reguladores, empresas fintech e consumidores.
  • Marco regulatório equilibrado: desenvolver um marco regulatório que equilibre a necessidade de proteção aos consumidores e à estabilidade financeira com a flexibilidade necessária para que as fintechs inovem e concorram. Isso pode incluir a criação de regulamentações específicas para o setor fintech, distintas daquelas aplicáveis às instituições financeiras tradicionais, ou a adaptação das regulamentações existentes, tornando-as mais flexíveis e adequadas às novas demandas do setor.

2. Medidas para fortalecer a proteção ao consumidor

  • Privacidad de dados: implementar regulamentações que protejam a privacidade dos dados dos consumidores, inclusive quanto à forma como as fintechs os coletam, utilizam e compartilham. Isso pode envolver a adaptação das leis existentes de proteção de dados ou a criação de legislações específicas para o setor fintech.
  • Transparência das informações: exigir que as fintechs divulguem de forma clara e transparente as informações sobre seus serviços, incluindo custos, riscos e benefícios. Isso pode ajudar os consumidores a tomar decisões informadas quanto aos serviços fintech que utilizam.
  • Prevenção da discriminação: implementar regulamentações que impeçam práticas discriminatórias no crédito por parte das fintechs. Isso pode incluir a proibição da discriminação por gênero, raça, religião ou outros fatores protegidos.

3. Medidas para garantir a estabilidade financeira:

  • Supervisão: implementar uma supervisão adequada das fintechs para mitigar riscos sistêmicos, especialmente à medida que crescem e se integram ao sistema financeiro. Isso pode envolver a criação de um órgão regulador específico para o setor ou a adaptação dos órgãos reguladores já existentes
  • Requisitos de capital e liquidez: estabelecer exigências de capital e liquidez para as fintechs, proporcionais aos riscos que apresentam. Isso pode contribuir para garantir que essas instituições sejam solventes e aptas a absorver perdas, promovendo a estabilidade do sistema financeiro.

4. Medidas para promover a concorrência:

  • Concorrência justa: implementar regulamentações que promovam a concorrência entre as fintechs, bem como entre elas e as instituições financeiras tradicionais. Isso pode incluir a eliminação de barreiras à entrada de fintechs, como a redução de exigências de licenciamento ou a facilitação do acesso à infraestrutura financeira.
  • Acesso à infraestrutura: assegurar que as fintechs tenham acesso equitativo à infraestrutura financeira, como os sistemas de pagamento. Isso pode permitir que concorram em condições de igualdade com as instituições financeiras tradicionais.

5. Medidas para fomentar a inovação responsável

  • Inovação com proteção: criar um ambiente regulatório que promova a inovação em áreas como o uso de dados alternativos, inteligência artificial e aprendizado de máquina na avaliação de crédito, assegurando ao mesmo tempo a proteção dos consumidores. Isso pode implicar a criação de um sandbox regulatório que permita às fintechs testar novas tecnologias e modelos de negócios em um ambiente controlado.
  • Supervisão de novas tecnologias: supervisionar novas tecnologias e modelos de negócios para mitigar riscos potenciais e garantir a proteção dos consumidores. Isso pode incluir a criação de um grupo de trabalho ou comitê dedicado a monitorar essas tecnologias e desenvolver regulamentações para mitigar os riscos.

Em resumo, para alcançar as mudanças regulatórias necessárias ao crescimento das fintechs, é preciso uma abordagem abrangente que inclua medidas para promover a clareza regulatória, a proteção ao consumidor, a estabilidade financeira, a concorrência e a inovação responsável.

Banco de desenvolvimento como alternativa

O banco de desenvolvimento pode desempenhar um papel crucial na melhoria do acesso ao financiamento para as empresas, atuando como complemento aos bancos privados e às cooperativas de crédito. Também tem capacidade para impulsionar o crescimento das PMEs, que são o motor de muitas economias da região. Por meio de programas de apoio e produtos financeiros adaptados às necessidades dessas empresas, o banco de desenvolvimento pode facilitar o acesso ao crédito e promover a geração de empregos, investimentos e inovação. Esses objetivos podem ser alcançados por meio de dois mecanismos tradicionais: o crédito direto e os programas de garantias10.

EO crédito direto consiste na concessão de empréstimos por parte dos bancos de desenvolvimento às empresas. Existem duas modalidades principais de crédito direto: empréstimos a clientes finais e empréstimos de segundo piso para instituições financeiras. Na primeira modalidade, os bancos de desenvolvimento concedem os empréstimos diretamente às empresas, enquanto na segunda os recursos são canalizados por meio de instituições financeiras privadas que atuam como intermediárias.

Os empréstimos concedidos diretamente aos clientes finais costumam apresentar condições mais favoráveis do que os oferecidos pelos bancos comerciais, como taxas de juros mais baixas e prazos de pagamento mais flexíveis. A efetividade desse instrumento depende da capacidade do banco de desenvolvimento de alcançar as PMEs, que costumam estar geograficamente dispersas. Também requer uma rede de atendimento ampla e a capacidade de avaliar com precisão o risco de cada operação.

O alcance dos programas de segundo piso tende a ser maior, pois aproveitam a infraestrutura e as informações das instituições financeiras parceiras para atingir um número mais amplo de clientes, sem aumentar significativamente o custo do financiamento. Nesse caso, além disso, o risco de crédito é compartilhado. As evidências sugerem que essa modalidade de empréstimos apresenta índices de inadimplência mais baixos em comparação com os empréstimos diretos do banco de desenvolvimento, o que pode refletir um processo mais eficiente de seleção de clientes e gestão de risco.

Por outro lado, os programas de garantias são instrumentos concebidos para facilitar o acesso ao crédito pelas PMEs, especialmente em contextos nos quais enfrentam barreiras significativas devido a problemas de assimetria de informação. Esses programas permitem que empresas que não dispõem de garantias suficientes para assegurar um crédito possam acessar financiamento mediante a compra de garantias substitutivas. Esse mecanismo possibilita que empresas com potencial, mas consideradas de alto risco, acessem crédito em condições mais vantajosas.

Embora alguns estudos apontem impacto positivo desses programas de financiamento público no acesso ao crédito e na geração de empregos, os efeitos sobre o investimento, a inovação e a produtividade são menos evidentes. Isso ocorre porque o êxito do financiamento público depende, fundamentalmente, de um bom desenho e da adequada implementação dos programas (Abadi et al., 2022).

Um problema típico desse tipo de programa é que os recursos concedidos acabam beneficiando empresas que não enfrentam restrições financeiras. Nesses casos, o crédito privado é substituído por financiamento público, sem ampliar efetivamente o acesso a recursos pelas empresas excluídas. Esse tipo de problema poderia ser evitado se o desenho desses programas priorizasse a participação de empresas que efetivamente enfrentam restrições de crédito.

Da mesma forma, para melhorar o impacto desses programas, recomenda-se a focalização em empresas com potencial de crescimento e capacidade para utilizar os recursos de forma eficaz, o que representa um desafio importante em termos de identificação de empresas não apenas com potencial e capacidades, mas também com acesso limitado ao financiamento. 

Complementar o apoio financeiro com serviços de desenvolvimento empresarial, como capacitação em gestão financeira, diagnóstico de práticas gerenciais, consultoria em comercialização e apoio à internacionalização, pode ampliar significativamente os efeitos positivos dos programas de financiamento público11

Essa combinação de financiamento e serviços de desenvolvimento empresarial é fundamental, pois permite que as PMEs tenham acesso ao capital e aprimorem suas capacidades internas. A implementação de tais programas de forma integrada pode, portanto, contribuir para o desenvolvimento sustentável das PMEs.

Um aspecto importante no desenho desses programas é o monitoramento contínuo. A realização de avaliações de impacto rigorosas permite medir sua efetividade, identificar áreas de melhoria e otimizar a alocação de recursos. Para isso, é essencial assegurar a transparência nos processos de seleção dos beneficiários e na distribuição dos fundos.

Um monitoramento adequado dos fundos de garantia, por exemplo, não apenas ajudaria a verificar se o programa está efetivamente ampliando o acesso ao crédito, como também se é sustentável no longo prazo. Um desafio recorrente nesses programas é que os bancos podem ter incentivos para direcionar seus clientes mais arriscados aos programas de garantias, ou mesmo relaxar seus esforços na seleção e acompanhamento das empresas beneficiárias, o que pode levar a maiores taxas de inadimplência e comprometer a sustentabilidade do programa.

Esses problemas de incentivos também ressaltam a necessidade de incorporar ao desenho desses programas uma distribuição adequada do risco entre o banco de desenvolvimento, o banco comercial e as empresas participantes. Além disso, a adoção de mecanismos de penalização para bancos com altas taxas de inadimplência e de incentivos para aqueles com bom desempenho pode estimular os bancos a manterem um interesse ativo na qualidade de crédito dos tomadores, mitigando os problemas de risco moral e de sustentabilidade do programa. 

Para que o banco de desenvolvimento possa cumprir plenamente seu papel de ampliar o acesso ao crédito, é necessário implementar reformas que otimizem seu funcionamento, garantam sua sustentabilidade e assegurem sua capacidade de resposta às necessidades do setor produtivo.

Essas reformas devem assegurar que o banco de desenvolvimento atue de forma complementar ao banco comercial e que seja capaz de identificar as falhas de mercado que devem ser superadas, assim como determinar os instrumentos adequados para apoiar as políticas de desenvolvimento produtivo definidas pelos governos. Os bancos nacionais de desenvolvimento também devem ser capazes de identificar setores e atividades com potencial para gerar externalidades positivas na economia, como inovação, diversificação exportadora, economia verde e desenvolvimento de cadeias de valor.

Nesse sentido, tais reformas devem incluir a definição de um mandato claro que oriente a atuação do banco de desenvolvimento e assegure sua complementariedade com o setor privado. Por sua vez, para garantir o cumprimento desse mandato, é necessário que adotem boas estruturas de governança que assegurem sua independência, sua capacidade técnica e sua sustentabilidade financeira. Só assim poderão desempenhar um papel ativo na transformação produtiva das economias da região.

De fato, os bancos de desenvolvimento têm um papel muito importante a desempenhar, muito além do financiamento. São espaços em que aprendemos uns com os outros, onde, de repente, um país deseja realizar um projeto em uma nova área (…), e isso leva o banco a aprender durante o processo de financiamento desse tipo de atividade. Uma vez que aprende, pode transmitir esse conhecimento para que outros países explorem esses mesmos caminhos.

Baseado em entrevista com Ricardo Hausmann

O papel dos mercados de capitais no financiamento

Além do papel que o acesso ao crédito exerce para impulsionar o desenvolvimento produtivo, outro aspecto relevante que uma reforma financeira abrangente deve considerar é o fortalecimento dos mercados de capitais.

Os mercados de valores da região têm um potencial significativo de expansão, mas sua concretização depende de reformas específicas. Uma prioridade é melhorar a acessibilidade ao próprio mercado. Reduzir barreiras como altos custos de transação e regulamentações complexas pode incentivar uma participação mais ampla, especialmente de investidores de varejo. Adicionalmente, promover o investimento institucional por meio de entidades como os fundos de pensão pode injetar uma liquidez sempre necessária. Desenvolver mercados de títulos mais profundos também pode criar vias alternativas de financiamento e complementar a expansão do mercado de ações.

Reforçar a transparência e a governança corporativa é igualmente essencial. Isso inclui aprimorar os requisitos de divulgação para empresas listadas, garantir o cumprimento rigoroso das normas internacionais de contabilidade e reporte, e incorporar fatores ambientais, sociais e de governança nas divulgações empresariais. A criação de órgãos reguladores sólidos e independentes, com mecanismos eficazes de supervisão, é fundamental para preservar a integridade do mercado e proteger os investidores.

De modo geral, uma boa governança corporativa facilita o acesso ao financiamento, tanto de fontes internas quanto externas. Nesse contexto, destaca-se a importância da proteção aos acionistas minoritários.

O gráfico 2.15 evidencia o atraso da região nesse quesito. Observa-se que os países, em geral, oferecem menor proteção aos investidores minoritários em comparação com os países mais desenvolvidos. Isso sugere a existência de lacunas relevantes no arcabouço legal e institucional que rege esse aspecto essencial da governança corporativa.

Gráfico 2.15 Proteção aos investidores minoritários, 2019

Nota: Índice de 0 a 50 (melhor) construído com base nos seguintes subíndices: grau de transparência, responsabilidade dos diretores, facilidade para acionistas entrarem com ações judiciais, direitos dos acionistas, governança e transparência corporativas.

Essa lacuna tem implicações profundas para o acesso das empresas ao financiamento. Quando os investidores minoritários estão mais protegidos, o capital tende a ser alocado de maneira mais eficiente, pois os investidores se sentem mais seguros em aplicar seus recursos sabendo que seus direitos estão assegurados. Uma proteção robusta aos acionistas minoritários reduz o risco de abuso de poder por parte dos majoritários ou da administração em prejuízo dos demais. Isso favorece o desenvolvimento dos mercados de ações e permite que o capital se direcione para empresas com melhores perspectivas de crescimento.

Para fortalecer os direitos dos acionistas minoritários, é necessário estabelecer um arcabouço legal claro e abrangente que defina explicitamente tais direitos. Entre eles, incluem-se o direito de voto, o acesso às informações da empresa e a possibilidade de acionar judicialmente a própria companhia ou seus diretores.

Esse marco legal deve ser complementado por órgãos reguladores sólidos e independentes, com autoridade para aplicar a legislação e garantir tratamento equitativo a todos os acionistas, independentemente de sua participação. Além disso, é essencial promover práticas transparentes de governança corporativa, como conselhos de administração independentes e processos de decisão claramente definidos. Por fim, devem existir mecanismos acessíveis e eficazes de resolução de disputas para lidar com conflitos entre acionistas e a empresa, garantindo que os minoritários tenham um canal justo e imparcial para expressar suas preocupações e buscar reparação.

Também é determinante para o desenvolvimento dos mercados de capitais, especialmente os de dívida, o adequado desenho das leis de falência. Essas leis oferecem um marco essencial para tratar a insolvência, reduzir a incerteza tanto para tomadores quanto para credores e, em última instância, promover o bom funcionamento do sistema financeiro.

Reduzir o risco e aumentar a confiança dos investidores são os principais caminhos pelos quais as leis de falência contribuem para o desenvolvimento dos mercados de capitais. Procedimentos de falência bem estruturados proporcionam processos claros e previsíveis para lidar com insolvências, assegurando aos credores que seus direitos serão protegidos. Isso torna os investimentos em títulos de dívida mais atrativos, já que os credores se mostram mais dispostos a ofertar capital quando confiam na capacidade do sistema legal de administrar dificuldades financeiras empresariais.

Além disso, leis de falência eficazes viabilizam a reestruturação e reorganização eficiente de empresas em dificuldades. Ao estabelecer um marco jurídico para que negociem com os credores e reduzam seu endividamento, essas leis ajudam a evitar liquidações desnecessárias. Isso preserva o valor econômico, mantém empregos e permite que empresas viáveis continuem operando12.

O gráfico 2.16 mostra que os países da região, em geral, têm procedimentos de insolvência menos eficientes do que os países mais desenvolvidos. Na ALyC, os credores recuperam, em média, cerca de um terço do valor da dívida em casos de insolvência, enquanto nos países da OCDE esse índice chega a 70 %.

Gráfico 2.16 Procedimentos de insolvência

Nota: Este indicador mostra a taxa de recuperação em caso de insolvência. Centavos por dólar recuperados por credores garantidos por meio de procedimentos de reorganização, liquidação ou execução (hipotecária ou medidas de administração) da dívida.

Embora existam diferenças entre os países, algumas reformas comuns são necessárias na ALyC para fortalecer as leis de falência e tornar os procedimentos de insolvência mais eficientes. Por um lado, é preciso modernizar e harmonizar os marcos legais. Isso envolve atualizar as leis de falência para refletir as complexidades dos instrumentos financeiros modernos e das transações transfronteiriças, melhorar a eficiência e a transparência dos processos e estabelecer tribunais especializados para lidar com os casos de forma eficaz.

Por outro lado, é essencial fortalecer os direitos dos credores, garantindo ao mesmo tempo um tratamento justo aos devedores. Aprimorar a proteção aos credores em aspectos como a ordem de pagamento e os procedimentos de execução de garantias pode aumentar a confiança dos investidores e estimular o crescimento do mercado de dívida. Simultaneamente, é importante equilibrar essas proteções com dispositivos que permitam a reestruturação e a recuperação da dívida, oferecendo aos devedores a chance de se restabelecerem.

Outro elemento do mercado de capitais que pode melhorar o acesso das empresas ao financiamento é o desenvolvimento de instrumentos de capital privado e de capital de risco. O primeiro é voltado para empresas mais maduras que buscam reestruturação ou expansão, enquanto o segundo foca em empreendimentos em estágio inicial com alto potencial de crescimento.

Para as PMEs e empresas jovens com dificuldades de acesso ao financiamento tradicional, esses instrumentos servem como complemento e, em certos casos, como alternativa aos instrumentos de dívida. Tais mecanismos são adequados para superar exigências rigorosas das fontes tradicionais, como a comprovação de receita para obter crédito ou a isenção de pagamento de juros em fases iniciais, quando a liquidez é especialmente restrita (Álvarez et al., 2021).

Apesar de suas vantagens, esses mecanismos ainda têm baixa penetração na ALyC, em razão de assimetrias de informação, opacidade nos registros contábeis e desconhecimento por parte dos empresários sobre esses veículos de financiamento. Para superar essas barreiras, recomenda-se a adoção de políticas que estimulem tanto a demanda quanto a oferta.

Do lado da demanda, pode-se incentivar a criação de bases de dados de PMEs com potencial de atrair investidores, como parte dos serviços empresariais oferecidos por agências governamentais ou entidades setoriais. A promoção de “aceleradoras” e “incubadoras” de startups também é uma via de aproximação entre empresas e potenciais investidores de capital de risco.

Pelo lado da oferta, podem ser oferecidos incentivos fiscais para investidores de capital de risco. Além disso, a participação direta ou em regime de coinvestimento do governo em fundos de capital de risco pode funcionar como catalisador para atrair investidores privados, fator decisivo para a eficácia desses fundos.