A política industrial como impulsionadora do desenvolvimento produtivo
Até agora, foram propostas reformas e políticas para enfrentar problemas pontuais como a informalidade e a falta de acesso a financiamento. No entanto, muitos desses problemas têm raízes comuns que exigem uma abordagem integral e coordenada capaz de articular essas políticas. A política industrial pode atuar como mecanismo articulador.
A política industrial é definida como o conjunto de ações governamentais voltadas à transformação da estrutura da atividade econômica com vistas a um objetivo público. Essas políticas são focalizadas, o que significa que são orientadas para atividades específicas, e são intencionais no sentido de que buscam mudar a estrutura da economia.
Na América Latina e no Caribe, a política industrial representa uma oportunidade para impulsionar o crescimento econômico e a diversificação produtiva. Um dos benefícios potenciais é a capacidade de transformar a estrutura econômica em direção a setores mais avançados e competitivos, o que pode gerar empregos de qualidade e fomentar a inovação. No entanto, para maximizar esses benefícios, é crucial que as políticas sejam bem desenhadas e fundamentadas em uma análise rigorosa que considere as características específicas de cada país e os riscos inerentes à intervenção estatal.
A política industrial moderna opera dentro de uma tríade complexa: a incorporação de novas tecnologias, a promoção da inclusão social e a busca da sustentabilidade ambiental (CEPAL, 2017). Esse triplo desafio exige uma abordagem abrangente que não apenas promova a competitividade, mas também assegure que os benefícios do crescimento sejam distribuídos de forma equitativa e que o desenvolvimento econômico seja compatível com a proteção do meio ambiente. Por exemplo, a promoção de indústrias de energias renováveis pode gerar empregos verdes, reduzir a dependência de combustíveis fósseis e contribuir para a mitigação da mudança climática. No entanto, é crucial que essas políticas não excluam os setores mais vulneráveis da população e que considerem os impactos sociais e ambientais de longo prazo.
Apesar de seus benefícios potenciais, a implementação da política industrial envolve certos riscos. Um deles é a captura política, em que interesses particulares podem desviar recursos para atividades que não beneficiam a sociedade como um todo. A falta de informação adequada pode levar a decisões ineficientes na seleção de setores. Outro risco é que políticas mal desenhadas concedam vantagens desproporcionais a determinadas empresas, comprometendo a concorrência.
Para mitigar esses riscos, é fundamental adotar uma abordagem baseada em dados e evidências empíricas. As políticas devem passar por testes de custo- benefício, considerando não apenas os custos diretos, mas também os custos administrativos. É importante incluir mecanismos de monitoramento e avaliação contínua para ajustar as políticas conforme necessário.
A colaboração público-privada também é essencial para gerar informações relevantes, formular agendas de ação e assegurar que as políticas sejam eficazes. Além disso, é fundamental aprender com as experiências internacionais e, especialmente, regionais, dado que os contextos econômicos e sociais podem ser semelhantes. Ao adotar essas estratégias, os países da região podem aproveitar os benefícios da política industrial ao mesmo tempo em que minimizam seus riscos.
Uma política industrial bem desenhada deve oferecer um marco direcional que permita aos atores privados tomar decisões de investimento de longo prazo, como a promoção de tecnologias que utilizem os recursos de forma eficiente e gerem baixas emissões de carbono. Isso implica a criação de um ambiente que estimule a concorrência e ofereça garantias para a adoção de medidas corretivas, afastando-se de abordagens rígidas e centralizadas que fracassaram no passado (CEPAL, 2017).
A política industrial dispõe de uma ampla gama de instrumentos para atingir seus objetivos de desenvolvimento produtivo. Esses instrumentos podem ser transversais ou seletivos.
As políticas transversais, também chamadas de horizontais, buscam melhorar o ambiente produtivo geral, beneficiando todas as empresas independentemente de sua atividade econômica ou localização.
Muitas das políticas discutidas neste capítulo estão entre as transversais, como, por exemplo, aquelas que buscam facilitar o acesso ao financiamento pelas empresas. Também se incluem as políticas comerciais e de integração aos mercados internacionais, as de formação e capacitação de recursos humanos e as de concorrência. Outras intervenções abrangem as políticas de ciência, tecnologia e inovação, assim como os investimentos em infraestrutura e a provisão de bens públicos como educação, saúde e proteção social.
As políticas seletivas, por sua vez, concentram-se em áreas específicas da economia. Por um lado, estão as políticas setoriais voltadas à identificação e promoção de indústrias com alto potencial de crescimento, como energias renováveis ou biotecnologia. Para isso, realizam-se análises rigorosas de mercado e implementam-se medidas que fomentem a inovação, a colaboração público-privada e a atração de investimentos. As políticas territoriais, por outro lado, buscam promover o desenvolvimento econômico equilibrado em todo o território, reduzindo disparidades regionais e impulsionando a competitividade.
Entre os instrumentos ou estratégias que podem ser utilizados tanto por políticas setoriais quanto territoriais está o desenvolvimento de clusters que, além de fomentar o desenvolvimento de um setor ou atividade específica, também impulsiona o crescimento econômico local, a geração de empregos e a competitividade regional.
Por fim, a seleção e a combinação desses instrumentos dependerão das estratégias industriais de cada país, bem como das características de sua estrutura produtiva e de seu contexto econômico. O Quadro 2.2 ilustra o caso da transformação digital do setor produtivo como uma estratégia industrial de particular interesse para a ALyC.
Quadro 2.2 A transformação digitall
A transformação digital do setor produtivo busca melhorar o desempenho das empresas por meio da adoção de tecnologias da Indústria 4.0, como internet das coisas, inteligência artificial, computação em nuvem, big data e blockchain, entre outras.
Atualmente, a região encontra-se em atraso quanto ao uso de tecnologias digitais por parte dos lares, das empresas e dos governos. Isso está relacionado ao atraso da região em infraestrutura digital, manifestado, por exemplo, pelas baixas taxas de conectividade à internet e pela baixa densidade de redes de fibra óptica (Agudelo, 2021; Álvarez e Toledo, 2022).
No caso das empresas, a defasagem na adoção de tecnologias digitais é explicada em grande medida pela “falta de capacidades e conhecimento de gerentes e trabalhadores para identificar necessidades e soluções digitais, bem como para adaptar os processos, a cultura organizacional e o modelo de negócios a essas tecnologias” (Álvarez e Toledo, 2022). As capacidades internas das empresas não são apenas um fator decisivo para a adoção e o desenvolvimento de tecnologias digitais, como também condicionam seu impacto sobre a produtividade.
Enfrentar esse problema implica criar programas de formação laboral e gerencial em transformação digital que ajudem a reduzir a defasagem de capacidades entre trabalhadores e empresários. Essa iniciativa pode ser complementada com programas de assistência técnica que ofereçam serviços subsidiados de consultoria a empresas que desejam avançar tecnologicamente, mas não dispõem da expertise nem dos recursos para avaliar suas necessidades tecnológicas e desenhar e implementar as soluções digitais mais adequadas.
Os governos também podem criar programas guarda-chuva que reúnam e coordenem um amplo conjunto de iniciativas complementares. Além de oferecer oportunidades de capacitação e assessoria, esses programas podem proporcionar espaços de intercâmbio e colaboração entre empresas para que compartilhem experiências e conhecimentos. Esses programas também podem incluir o desenvolvimento de plataformas abertas por meio das quais sejam oferecidas ferramentas e conteúdos que facilitem a transformação digital das empresas.
Outra barreira significativa enfrentada pelas empresas da região para sua digitalização é o acesso limitado ao financiamento, que tende a se agravar no caso de projetos digitais devido à dificuldade de utilizar ativos intangíveis e propriedade intelectual como garantias de crédito. Além disso, os bancos geralmente têm mais dificuldade para avaliar esses projetos. Isso justifica o desenvolvimento de instrumentos especificamente desenhados para financiar a digitalização das empresas. Nesse sentido, é possível adaptar instrumentos existentes como fundos de garantia e programas de crédito direto, assim como esquemas de subsídios.
Para facilitar a digitalização das empresas, também é fundamental melhorar a infraestrutura digital e a conectividade. Um aspecto crucial para alcançar esse objetivo é a colaboração entre os setores público e privado, especialmente na implantação de redes 5G. Para isso, devem ser implementadas políticas que liberem espectro radioelétrico suficiente, agilizem os processos de concessão de licenças e incentivem o investimento em infraestrutura pública, como fibra óptica. Também é necessário facilitar a concessão de permissões e o acesso a locais adequados para a construção de torres de telecomunicações, assim como promover o uso compartilhado de infraestrutura. Da mesma forma, deve-se garantir a conectividade em zonas rurais e desatendidas, onde o investimento do setor privado pode ser limitado. Isso pode requerer subsídios específicos ou outros incentivos.
Por fim, é necessário estabelecer um marco regulatório adequado que garanta a acessibilidade, qualidade e segurança dos serviços digitais, estabelecendo padrões de qualidade de serviço, mecanismos de resolução de disputas e protegendo a privacidade do consumidor e a segurança dos dados. O marco regulatório também deve promover a concorrência no setor de telecomunicações, fomentando a entrada de novos participantes na infraestrutura e prevenindo condutas anticoncorrenciais.